Aguardou-se a publicação de mais uma reforma da acção executiva, ora ocorrida em 20 de Novembro de 2008, para se preparar uma nova edição do Curso, tendo em conta que a anterior se encontrava esgotada desde princípios de Julho do ano transacto. Desde a entrada no prelo da anterior edição continuou o festival legislativo e, para não fugir à regra, em geral de fraca qualidade. Destacam-se, entre os mais importantes diplomas legais com reflexos nesta obra, os seguintes por ordem da sua publicação: o DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, revogando o anterior Código das Custas Judiciais, mas sem qualquer justificação para aquele não se continuar a chamar Código; a Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, que aprovou medidas de simplificação, desmaterialização e desformalização de actos e processos na área do registo predial e de actos notarias conexos e republicou o Código do Registo Predial; a Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, que prematuramente aprovou uma nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais para só entrar em vigor, em todo o território nacional, a partir de 1 de Setembro de 2010, aplicando-se entretanto apenas às comarcas piloto (Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande-Lisboa Noroeste), quando diversamente se deveria ter editado uma lei que completamente regulasse o funcionamento das três comarcas piloto, sem necessidade de se proceder à revogação futura da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, o que evitaria os graves problemas de interpretação resultantes de duas leis que concomitantemente visam o mesmo objectivo e nos impõe, em termos de exposição didáctica, que privilegiemos a publicada em último lugar, na impossibilidade de, sob pena de enorme confusão, nos socorrermos das duas; o DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro, que procedeu a mais uma reforma, e esta de grande alcance, da acção executiva, a que nos referiremos mais adiante com algum detalhe; e o novo Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Os quatro primeiros diplomas referidos, para além de modificarem outros regimes jurídicos, alteraram vários artigos do Código de Processo Civil (CPC), sofrendo alguns, como os arts. 46.º, 239.º, 808.º, 810.º, 838.º e 886.º, em diplomas diferentes, duas alterações, enquanto o art. 467.º foi passível de três alterações. Espantoso!... A nível inferior, impõe-se fazer uma alusão à Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, que veio regular vários aspectos da transmissão electrónica dos processos judiciais, mas que acabou por ser alterada, por duas vezes, durante o ano da sua publicação, através das Portarias n.os 457/2008, de 20 de Junho, e 1538/2008, de 30 de Dezembro. Custa a acreditar" Ainda uma referência à Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março, que, à revelia da lei ou em discordância com ela, criou uma nova unidade orgânica, com a categoria de secretaria-geral, para assegurar a tramitação do procedimento de injunção, que apelidou, numa óptica de mercado, como Balcão Nacional de Injunções. O brilhante crânio que descobriu esta designação deveria, em conformidade, denominar diversamente as categorias do quadro de pessoal e assim, em vez de secretário de justiça, escrivão de direito e escrivão auxiliar, as categorias de lojista, caixeiro e marçano, respectivamente. Dá-se também conta que, em conformidade com o Regulamento (CE) n.º 861/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho, se incluíram, na presente edição, no âmbito dos títulos executivos judiciais, as decisões proferidas em processo europeu para acções de pequeno montante. Também se alude ao procedimento europeu de injunção de pagamento constante do Regulamento (CE) n.º 1896/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro. Debrucemo-nos, por fim, sobre o DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro, que publicou uma nova reforma da acção executiva, através da alteração de vários diplomas legais, com destaque para o CPC (85 artigos alterados, 8 aditados e mais de uma dezena de preceitos revogados) e para o Estatuto da Câmara dos Solicitadores, e da criação da arbitragem institucionalizada no âmbito da acção executiva. Mais uma reforma ruinosa que irá dificultar o andamento das acções executivas. Atentemos nas inovações e na forma como se concretizaram. Quanto às inovações elas respeitam ao agente de execução e à arbitragem institucionalizada. Assim, a partir de agora, as funções de agente de execução deixam de ser somente exercidas por solicitadores para passarem também a sê-lo por advogados, seguramente em início de carreira e sem preparação profissional nem vocação para o desempenho do cargo. No que concerne aos oficiais de justiça, aptos para as referidas funções, são aceites como tolerados, em princípio por apenas dois anos, quando escolhidos por pessoas singulares que intentem acções executivas para cobrança de créditos não resultantes da sua actividade profissional. Alterou-se ainda o estatuto do agente de execução, perdendo este a condição de oficial público, sujeito a destituição pelo juiz de execução, em favor da de oficial corporativo, sujeito a destituição pelo Grupo de Gestão da Comissão para a Eficácia das Execuções, sendo esta comissão um órgão independente da Câmara dos Solicitadores, não resultando desta mudança maior independência, imparcialidade e isenção por parte do agente de execução. Por fim, ampliaram-se, a nosso ver excessivamente, os poderes do agente de execução; assim, a título de exemplo, discordamos da competência, que ora lhe é atribuída pela nova redacção do n. º 1 do art. 811.º do CPC, para recusar o requerimento executivo, que deveria continuar a pertencer à secretaria, por paralelismo com o que ocorre com a recusa da petição inicial (art. 474.º do CPC) e por ser ela a mais habilitada para o fazer, designadamente pela sua proximidade a um juiz que pode consultar oralmente, e também não aceitamos, por inconstitucional, o poder, que ora vem conferido ao agente de execução pelos n.os 4.º e 5 do art. 824.º do CPC, de isentar de penhora os rendimentos do executado ou de reduzir para metade a parte penhorável destes rendimentos, pelo prazo de seis meses, em conformidade com o rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica do agregado familiar do executado, por a avaliação em causa se traduzir na prática de um acto jurisdicional, que a Constituição, no art. 202.º, n.os 1 e 2, reserva aos tribunais. No concernente à arbitragem ora institucionalizada no âmbito da acção executiva será um autêntico flop, por três razões: em primeiro lugar, por vários dos actos praticados ao longo da execução pressuporem o ius imperii, ou seja, o poder de coagir, de que carecem os tribunais arbitrais, apenas detentores da iurisdictio; em segundo lugar, por a execução, no nosso quadro legal, não se apresentar como singular, por não realizada em benefício de um único credor, mas como colectiva especial, por aproveitar também aos credores que sejam titulares de direitos reais de garantia sobre os bens penhorados e que não se encontram vinculados à convenção de arbitragem, que tem de ser sempre reduzida a escrito, como verdadeiro negócio jurídico que é; em terceiro lugar, por de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, quando a efectivação da garantia de acesso à justiça requer a prestação de apoio judiciário, não previsto no âmbito dos tribunais arbitrais, é de considerar reassumida a competência do tribunal judicial, com afastamento da excepção da convenção de arbitragem, pela parte em situação superveniente de insuficiência económica, situação esta que não deixará, por regra, de ser invocada por quem não paga a sua dívida, quer tenha quer não meios para a liquidar. Fixemos agora a nossa atenção nas alterações ocorridas no CPC, determinadas pela reforma da acção executiva. Começamos por considerar errada a revogação da alínea a) do n.º 1 do art. 922.º-B, por não haver outra disposição legal onde se preveja especialmente o recurso de apelação da decisão que ponha termo à liquidação de título executivo extrajudicial feita pelo tribunal, no início da execução, nos termos dos n.os 4 e 5 do art. 805.º, esperando-se que se reconheça o erro e se reponha de imediato em vigor aquela alínea, devendo aproveitar-se a circunstância para eliminar do ora revisto art. 878.º a referência ao art. 888.º, por já anteriormente revogado pela alínea e) do art. 34.º do DL n.º 116/2008, de 4 de Julho. De seguida, anotamos algumas das deficiências técnicas de que padece o DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro. Assim, não se julga correcta a alteração de vários artigos só para substituir o vocábulo "solicitador" por "agente", quando uma única disposição, onde se dissesse que as referências a "solicitador de execução" em todas as disposições legais se consideravam feitas a "agente de execução", seria suficiente para o efeito, com a vantagem de não deixar nenhuma disposição legal de fora, o que não foi conseguido com o método utilizado. Depois, é esdrúxulo revogar os arts. 812.º a 812º-B do CPC, para a disciplina neles contida transitar, com ligeiras adaptações formais, para os aditados arts. 812.º-C a 812.º-F, como se não fosse aberrante iniciar uma numeração com a letra C e sem o artigo básico, quando tudo seria perfeito se se mantivessem os artigos revogados com nova redacção e com o acréscimo de um novo artigo sob o n.º 812.º-C; e o mesmo se diga quanto à revogação do art. 833.º e à sua substituição pelos aditados arts. 833.º-A e 833.º-B. Finalmente é injustificável que se alterem artigos da lei quando não há mudança de regime, só porque o legislador prefere outro tempo verbal, simpatiza mais com a expressão "na execução" do que com a expressão "processo de execução", gosta de listar por alíneas os momentos relevantes num determinado tipo de execução, apesar de todos eles já constarem do preceito alterado, como se verificou com a nova redacção do art. 941.º, n.º 1, ou então, em vez de um ponto e vírgula, a separar as duas partes que integram um certo artigo ou um determinado número de um artigo, opta pelo seu desdobramento em dois números, como aconteceu com o corpo do art. 864.º-A, que passou a ser constituído por dois números, ou com o n.º 3 do art. 921.º que passou a integrar os n.os 3 e 4.Por não se poder continuar a legislar desta forma, repetimos o que dissemos no prefácio doutra obra: "Duma vez por todas entregue-se, como no passado, a reforma processual a equipas de excelência, integradas por professores universitários, magistrados dos tribunais superiores e advogados com experiência profissional".