O cientificismo contemporâneo orientado pelo furor do controle absoluto do que nomeia como depressão, transtorno bipolar, crise do pânico, transtorno de aprendizagem, hiperatividade, psicopatia, autismo, dentre outros, prometem alcançar o ideal entumecido da saúde mental para todos. Como? Por meio de sofisticadas tecnologias avaliadoras de quantificação, protocolos de controle e medicalização intensiva e generaliza dos transtornos. Os efeitos colaterais dessa vontade de saber tornada louca são devastadores e o saber esburacado do inconsciente lhe fará obstáculo, como adverte Eric Laurent. O psicanalista de orientação lacaniana não está entre os que acreditam no ideal de saúde mental para todos. Leonardo Gorostiza demonstra que tanto a fantasia como o sinthoma - enquanto gozo opaco que exclui o sentido - são uma objeção à ideia de saúde mental. Jacques-Alain Miller fala sério: a mosca seria o melhor exemplo de saúde mental. O mental é um órgão que não está reservado à humanidade, portanto a doença mental está em nós de saída. De nada adianta agarrar a promessa de restauração da saúde mental, pois para a humanidade isso não vem a calhar - pela via desse ideal não há salvação. O cofre está vazio, como foi bem lembrado por Graciela Brodsky. No fim do arco-íris não existe nenhum tesouro. Judith Miller, presidente da Associação da Fundação do Campo Freudiano, apresenta o livro "A saúde para todos, não sem a loucura de cada um - perspectivas da psicanálise". Os diversos autores que assinam o conjunto dessa obra, analista e praticantes de orientação lacaniana, testemunham que de perto ninguém é normal - a bandeira de "saúde para todos" não se movimenta sem "a loucura de cada um". As articulações "para todos", "não sem" e "cada um" provocam, enlaçam, desdobram e separam os muitos argumentos, relatos clínicos e testemunhos de análise que fazem dessa obra uma loucura sem par. Deixamos aqui, nossa aposta, de que cada leitor possa encontrar em suas páginas alguma coisa, uma "cosica" de nada, para sossegar sua maluquice.