Com o colapso da URSS e o fim do socialismo real, o refluxo inevitável da crítica ao sistema capitalista foi seguido pela desorientação generalizada da esquerda mundial. A crítica ao sistema tomaria, então, dois rumos principais: o primeiro, que atacava não mais sistema em si, porém sua face mais evidente, a globalização, no movimento chamado altermundialismo, centrado nos Fóruns Sociais com seu slogan. Outro mundo é possível mas sem que tenha sido possível descrever esse mundo; o segundo, mais pragmático e pontual, centrado na questão ambiental, denunciando extinções, desmatamentos e poluições, sugerindo dimuição de emissões, reciclagem e o uso de energia limpa, e afinal ganhando densidade na questão do aquecimento global porém, na situação paradoxal de ver tudo encampado pelos governos, o que afinal resultou em cúpulas internacionais e impasses idem. O que fazer, afinal, se o sistema alternativo morreu, e o que sobreviveu parece levar irresponsavelmente para a catástrofe ? Recomeçar do começo: pelo diagnóstico. Pois sem ele, nenhuma ação efetiva pode ser sequer esboçada. Eis o objetivo do respeitado jornalista francês (Le Monde) Hervé Kempf em Como os ricos destroem o planeta, lançado agora no Brasil após uma consagradora carreira internacional, em tradução de Bernardo Ajzenberg. Quando a situação é grave, o diagnóstico não pode ser ameno. Daí aparecer de modo direto, duro e claro já no título: os ricos destroem o planeta. Feita a denúncia, é preciso porém demonstrá-la. Como os ricos destroem o planeta? Eis o livro de Kempf. Sua hipótese de partida pode ser expressa em poucas palavras: a crise ambiental é mais grave e portanto mais urgente do que se costuma reconhecer; ela não pode ser equacionada, ou seja, compreendida e muito menos resolvida, sem levar em conta sua causa real: o consumismo como ideologia, e a oligarquia mundial que o impõe, defende e sustenta. Daí o livro denunciar, inclusive, o próprio desenvolvimento sustentável: A única função real do ‘desenvolvimento sustentável’ é manter os lucros e evitar mudanças de hábito, apenas alterando um pouco o curso. Mas são justamente os lucros e os hábitos que nos impedem de mudar o curso. Kempf, portanto, articula de forma direta e sintética a questão ambiental à questão sociopolíticoeconômica, apontando para a saída do impasse tanto do ambientalismo como do altermundialismo. O primeiro é insuficiente, apesar de tudo, ao se centrar nas consequências do sistema dominante; o segundo é impotente ao criticar ideologicamente o sistema, sem conseguir apontar onde, por que e como ele é hoje tão perigosamente deletério. Em suma: sem a crítica social, o ambientalismo é manco; sem a urgência ambiental, o altermundialismo é cego. A tarefa revela-se ainda mais difícil. Por isso, e porque o fracasso implica no próprio fim da civilização (e não do meio ambiente), é ainda mais urgente. Pois baseado nos melhores dados disponíveis, todo o problema ambiental parece convergir para a desertificação do centro do planeta: A maior parte da superfície do globo será transformada em deserto. Os sobreviventes se agruparão em torno do Ártico. Mas não haverá lugar para todo mundo, o que gerará guerras, populações enfurecidas, senhores da guerra. Não é a Terra que está ameaçada, mas a civilização (James Lovelock, autor da hipótese Gaia). Kempf chega então à sua colocação central. Revisitando o clássico esquecido do final do século xix, a Teoria da classe ociosa, de Thorstein Veblen, propõe uma reforma do sistema capitalista que faz Marx parecer moderado: há uma oligarquia mundial isolada socialmente e hiperconsumista materialmente, que sustenta e defende o modelo, e se torna o exemplo a ser seguido pela longa cadeia de emulações que move as classes socais a partir do momento em que suas necessidades básicas já estão satisfeitas. Em suma: A classe superior define o modo de vida de sua época; A oligarquia incrementa a crise ambiental; Não é preciso aumentar a produção. O desenvolvimentismo e o produtivismo são, então, postos em cheque, numa radical mudança de paradigma: porque situações extraordinárias exigem medidas extraordinárias. E porque, de outro modo, o fim pode estar de fato próximo.