Depois de nos brindar com o ótimo O Burocrata e o Presidente, coleção de crônicas e "textos saborosos" -no comentário de Luis Fernando Veríssimo-, Afonso Oliveira de Almeida fortalece a sua condição de escritor muito especial, três anos depois, com a publicação desta obra. A copa do mundo é nossa ficção difere completamente de seu primeiro livro, seja pelo viés temático -burocracia, gestão pública e futebol não se misturam-, seja pela ousadia deste romance. Enredo original, instigante e surpreendente, personagens talhados na marcenaria da melhor literatura, vocabulário rico e preciso e uma sutileza metafórica desafiando os sentidos de todo o texto pagam parcela, ainda que ínfima, da dívida que a arte brasileira tem para com o nosso futebol pentacampeão. Afonso reconta nossas vitórias e derrotas, recria nossos mitos e deuses da bola, refaz a vida, desde o berço, de nossas mascotes, recupera jogos e jogadas e põe todo mundo numa disputa perigosa pela vida e pelo triunfo esportivo, sem trégua e sem intervalo para descanso. Se vai voltar à vida literária depois deste passo gigantesco, ainda não se sabe; se vai se esconder atrás da pilha de documentos e sentar-se na cadeira de rodinhas burocráticas emperradas num Ministério qualquer pelo resto da vida é outra hipótese que está posta. Vamos por partes. A hora agora é de pegar Afonso Oliveira de Almeida na estrada da literatura. Deixemos para trás o especialista em políticas públicas e gestão governamental, o ex-sindicalista, o ex-militante do movimento estudantil, o ex-secretário nacional de planejamento, o boleiro ainda não aposentado. Sigamos o primeiro ônibus que nos ultrapassar. Não se assuste se o motorista tiver cara de elefante e as cadeiras estiverem ocupadas por leões, tigres, macacos, urubus, porcos, cavalos e sacis. É porque a copa do mundo é nossa ficção. Se você ainda não começou a leitura, ande logo: o bicho vai pegar.