A Capital Federal, como se sabe, foi construída sob o signo de um racionalismo que semeou, à margem de seu projeto urbanístico, cidades-satélites que são também satélites da racionalidade, com suas seitas milenaristas. Um carnaval em Brasília, portanto, representa uma eclosão de forças telúricas que derretem qualquer monumento à razão abstrata. E o ritual em que Íris Quelemém (profetiza que garante ter sido sequestrada por extraterrestres) lê o destino do presidente raptado, entre carnavalescos e autoridades do Planalto, corresponde a um dos momentos em que Samba-enredo realiza seu próprio projeto, que consiste em mesclar espírito crítico com autoironia. “Acredito que o estilo é a máquina. O meu é brasileiro – desbocado, mas capenga e aleijado”, afirma o narrador deste livro. Almino e seu computador-autor preservam, no limite do possível, um senso machadiano de equilíbrio e mesure – com meditações sobre vício e virtude, sobre a derrisória igualdade racial dos desfi les de escola de samba –, porém anexando de modo gaiato os registros populares, como na mascarada em que um repentista inocula na plateia a suspeita de que o presidente fora vítima de crapulosa vingança amorosa. E, como em Machado de Assis (cujos narradores inconfiáveis parecem de fato atualizados nos arquivos instáveis de Samba-enredo), Almino reduz as questões de Estado a uma banalidade que, mesmo criminosa, explica um esquecimento, uma queima de arquivos, que reacende o pavio da história. A trama deste romance de Joao Almino e passo a passo narrada e registrada por um computador apaixonado por sua dona, uma escritora. Tem por centro o sequestro e as relacoes amorosas e clandestinas do presidente do Brasil, Paulo Antonio Fernandes. A maquina de narrar, humanizada, questiona sua propria existencia e a dos homens. Estes, em contrapartida, aparecem retificados na artificialidade das ideologias vigentes e no erotismo quase folhetinesco que permeia suas emocoes.