A negociação processual tem se tornado modalidade muito sedutora, porquanto encerra questões difíceis com menor complexidade. Dentre as hipóteses de autocomposição temos os acordos, que possuem o condão de possibilitar o encontro de um denominador comum que harmonize os interesses das partes. No âmbito antitruste temos no acordo de leniência o exemplo mais polêmico, sendo ele negócio jurídico firmado pelo membro de cartel com o Ministério da Justiça visando evitar ser processados criminal e administrativamente. Para se ver beneficiário do prêmio prometido, em contrapartida, deve o leniente fornecer colaboração para a erradicação do organismo anticoncorrencial. O acordo de leniência tornou-se assunto de destaque a partir da divulgação de que a empresa Siemens havia delatado esquema de dominação de mercado ligado aos metrôs de São Paulo e Brasília, do qual fazia parte. Muito embora recente no Brasil, o instituto já vem merecendo muita atenção ao redor do mundo, principalmente em países que adotam o sistema de Common Law, mais compatível com a lógica negocial. O problema nuclear deste texto encontra-se no fato de que, não obstante haja previsão expressa de extinção de punibilidade reflexa e incondicional, segundo a dicção da Lei n. 12.529/2011, tal consequência natural não está sendo particularmente aceita por órgãos nacionais, principalmente o Ministério Público. A justificativa encontrar-se-ia no fato que, em função do princípio da obrigatoriedade, não pode o Promotor deixar de denunciar pessoa envolvida em cartel tão somente em função de acordo firmado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. A questão, portanto, reside na incerteza do candidato à leniência que, atraído por promessas expressamente previstas pela Lei de Defesa da Concorrência, busca o Poder Público justamente para evitar se ver réu em processo criminal. No entanto, após sua inclusão no programa acaba sendo fraudado, e toda a prova que produziu para o CADE acaba por prejudicar ele próprio. Assim, não seria a posterior inclusão do leniente no polo passivo de ação penal iniciativa absolutamente inconstitucional? O nome do leniente pode ser mplamente divulgado, como aconteceu no caso Siemens? É lícita a exposição do leniente, já que o Estado lhe promete proteção total? É coerente a utilização das provas trazidos pelo leniente, em cumprimento à função decorrente do acordo, contra ele mesmo? Nas próximas páginas tentamos responder tais perguntas.