muitas mulheres habitam em mim. É com esse verso prismático que entramos no livro Mulheres salgadas, de Cecília Furquim. E esse verso-síntese nos lança à frase pungente cravada no tempo, anos antes, por Simone de Beauvoir: não se nasce mulher: torna-se mulher. A evocação, apesar de intuitiva, justifica-se pelos versos que se seguem, página a página, nos quais diversas mulheres se multiplicam e convertem-se, cada uma e ao mesmo tempo mãe, filha, amante, amazona e cunhã, em uma pluralidade de vozes que tem como ponto de partida um único corpo. Ainda que essas vozes irrompam de uma foz individual, jamais ela se confunde com um eu narcísico, clamando por uma atenção espetacular e egoica. Ao contrário, ela afirma, insistentemente: não sei onde começa eu / continua outro / ou termina nós. Esse corpo que diz eu, diz multiplicando-se, ora em uma suíte de murmúrios, ora num grito de espanto, indagando-se como parar um poema diante de uma bruta e covarde execução. [...]