O grande herói-vilão, o javali sanguinário, apresenta-se ao espectador-leitor adotando um expediente muito caro ao teatro popular no mundo todo: a fala direta e o olhar grudado e, nós, tornando-nos pactários de sua pervesidade, de sua devassidão e do seu desejo desenfreado pela coroa. Fascina a todos. Sintético, coloquial, íntimo dos conflitos dos clãs de York e Lancaster, Jô Soares traz-nos a mais recente tradução e adaptação do drama histórico " Ricardo III", de William Shakespeare. Uma realização que está em conformidade com os originais do bardo inglês, mas que não se atém às formas rebuscadas, parnasianas das traduções do século passado. Talvez pelo fato de Jô ser um homem de literatura, um profundo conhecedor do teatro, um excepcional ator, sua tradução realça a contemporaneidade desta obra sem hora nenhuma valer-se de comparações e analogias com os tempos de hoje. Jô, como tradutor e adaptador, transita com maestria entre o tempo gramatical e o tempo "dramatical" do verbo shakespeariano. E entrega-nos, ao final da leitura, um Ricardo III tão suave como arame farpado....