Este livro de cartas de Arthur Rimbaud me fez regressar às indagações que me assaltaram quando, jovem ainda, tomei conhecimento da poesia desse poeta-menino e de sua vida atordoante. Rimbaud reuniu todos os ingredientes capazes de despertar a admiração e a perplexidade de seus contemporâneos, particularmente daqueles que com ele conviveram nos primeiros três anos de sua intermitente estadia em Paris. Um garoto de dezesseis anos, chegado da provinciana Charleville, trazendo nos bolsos alguns poemas de surpreendente beleza e originalidade, que violavam os conceitos estéticos, religiosos e morais da época, só podia ser visto como um gênio. Acrescentemos a isso dois olhos azuis de inquietante transparência, que pareciam arrastar quem os fitasse ao paraíso ou ao inferno. É que aquele menino, cujos poemas revelavam um lado deslumbrante e perturbador da realidade, comportava-se como um pequeno demônio, que se exibia nu à janela da casa do amigo que o hospedara, levando os vizinhos a chamar a polícia; que se deitava, vestido de roupa amarfanhada e chapéu, no jardim de outro amigo, a fumar haxixe num enorme cachimbo para chocar os transeuntes; ou, nos bares do Quartier Latin, insultava os companheiros de mesa e os agredia, como fez com Etienne Carjat, a quem feriu com a ponta metálica de uma bengala. Tomado de fúria, Carjat, fotógrafo respeitado, autor da célebre imagem do Rimbaud menino que todos conhecem, destruiu todas as fotos que fizera dele, com exceção de três que não tinha consigo.