Uma das grandes damas da literatura brasileira, a premiada escritora Nélida Piñon está acostumada a falar para o público. Nas últimas cinco décadas dedicadas à literatura, a autora de Vozes do deserto — que lhe rendeu o Jabuti de melhor romance e livro do ano em 2005 — traz uma bagagem repleta de prêmios nacionais e estrangeiros por sua aclamada obra, títulos honoríficos em universidades pelo mundo e conferências. Empossada como imortal pela Academia Brasileira de Letras em 1990, foi a primeira mulher a presidir a entidade, no ano de seu centenário. Em seus discursos, no entanto, Nélida preocupou-se sempre em evitar o caráter efêmero típico das solenidades. Seus textos, ao contrário, distinguem-se como uma coleção de retratos admiráveis da literatura e da atividade intelectual no continente, repletos de perspectivas onde memória, ensaio e ficção se conjugam sob o marco da poesia. Publicado originalmente em 2002, O PRESUMíVEL CORAÇÃO DA AMÉRICA, que ganha agora nova edição pela Editora Record, traz uma compilação de alguns desses discursos, proferidos por Nélida entre 1985 e 2002. As raízes galegas profundas e sua ligação com o Brasil e a América Latina dão contorno aos vinte e seis textos, que parecem antecipar o livro de memórias Coração andarilho, de 2009, formando um panorama afetivo e cultural de tudo quanto lhe é ancestral. Seja no recebimento do prestigiado Prêmio Juan Rulfo, no México, pelo conjunto de sua obra — que ocasionou o discurso que dá nome ao livro, em que a escritora eleva uma castigada e maculada América Latina ao seu merecido posto em uma declaração de amor — ou no agradecimento pelo título de Doutor Honoris Causa. A mais laureada de nossos escritores, como apresenta o também imortal Marco Lucchesi na apresentação da obra, evoca, na Universidade de Santiago de Compostela ou na Academia Brasileira de Letras, na feira de Guadalajara, sua terra ancestral, raiz e fundamento. A Galícia e o Brasil, como que imagem e espelho. “É um livro de muitas leituras. Que se pode ler como um difuso poema em prosa. Ou como um romance. Porque a alta voltagem destes ensaios prova à saciedade o índice plural de uma alta literatura. E, não sem razão, Nélida é o nome forte da literatura brasileira, que se debruça na janela do mundo”, atesta Lucchesi. Nesta mescla de gêneros, Nélida consegue um resultado primoroso, onde reafirma sua habilidade em construir a melhor literatura.