"Um homem fora traído pelos seus filhos, pela sua mulher e pelos seus amigos; sócios infiéis tinham-no despojado da sua fortuna, fazendo-o mergulhar na miséria. Invadido de um ódio e de um desprezo profundo pela espécie humana, o homem deixou a sociedade e refugiou-se na solidão de uma caverna. Aí, premindo os olhos com os punhos, e meditando numa vingança proporcionada ao seu ressentimento, dizia: "Os perversos! Que farei para os punir das suas injustiças, e os tornar tão desgraçados como merecem? Ah, se fosse possível imaginar… meter-lhes na cabeça uma grande quimera a que dessem mais importância do que à sua vida, e sobre a qual não pudessem nunca entender-se!…" Ei-lo que então irrompe da caverna a gritar: "Deus! Deus!…" Ecos sem conto repetem à sua volta: "Deus! Deus!" Este nome temível transmite-se de um pólo a outro e é, por toda a parte, escutado com assombro. De começo os homens prosternam-se, a seguir levantam-se, interrogam-se, disputam, tornam-se azedos, anatematizam-se, odeiam-se, degolam-se uns aos outros, e cumpre-se o voto fatal do misantropo. Pois tal foi no tempo passado, e será no tempo por vir, a história de um ser tão importante como incompreensível."