De acordo com o belo poema epónimo desta coletânea, o arame invocado pelo título pode ser uma corda musical, um fio elétrico, uma fibra ótica, um caminho de equilibrista ou o próprio fio do discurso. É um arame que se estende longe no espaço e no tempo, donde nos traz instantâneos de afetos e quotidianos, de história e artes, deuses e culturas. É uma performance estonteante, fruto de um casamento venturoso entre muito saber e muito sentir. Mas por esse Arame Falado também circula um humor bufo, sagaz e sarcástico, que sequer recusa os temas mais opulentos aos quais acrescenta o seu grano salis: a tensão entre acaso e providência em Os Dados de Deus, as hierarquias angelicais e a precária situação dos gitanos em O Anjo Cigano, o homem diante da imensidão misteriosa em Os Nomes do Mar. Esses e outros são poemas nascidos de uma argúcia metafórica e metonímica que encontrou uma potente clareza conceitual. Nasce assim uma poesia virtuosa, que extrai o alegórico do signo mais trivial ao se mostrar capaz de ver o mito aquém do mármore. Por isso Marcus Fabiano escreve como quem enuncia, erige e revela. A sua pesquisa vocabular (logo, também plástica e sonora) incorpora-se a uma sintaxe ágil e graciosa, que se exerce tanto na precisão da economia como no derramamento de seus laivos mais pastosos e abstratizantes. Dizem alguns místicos que a matéria é luz abrandada até se tornar palpável. Aqui, de certo modo, temos o processo ao contrário. O universo é convertido em linguagem - linguagem que reinventa sentidos mercê das coisas que ao dizer vai misturando e modulando. Ela vibra, ela voa. Ora é ritmo, percussão, ora é pura melodia, canto ou mantra monástico que não pertence a ninguém. Ora deixa de insistir e apenas existe, só ela, olha que lá vai, fio de luz no crepúsculo.