As crônicas de Bustos Domecq são peças satíricas cujo alvo é a intelligentsia argentina da época, de acadêmicos a políticos, passando por artistas das mais variadas linguagens, além de alguns personagens internacionais do mesmo tipo. Se lidas por um argentino apresentam um sabor peculiar, pela possibilidade de reconhecimento dos personagens originais, sua leitura fora dos contextos temporal e local adquire um sabor mais plenamente literário, pois tais personagens se transformam em tipos de certo modo universais e atemporais, como o literato afetado, o acadêmico palavroso, o político pomposo, o artista narcísico etc., sem falar de várias questões, comportamentos e crenças modernas e/ou modernistas, que com alguma variação estiveram também em voga no Brasil, e são igualmente satirizados, às vezes de forma feroz, e sempre com um humor tão inteligente quanto cortante. Para os estudiosos e/ou aficionados da obra de Borges em especial, essas crônicas têm uma importância particular, pois representam, de certa maneira, um rito de passagem, pelo qual o primeiro Borges, como o de Fervor de Buenos Aires, acaba sendo parcialmente um alvo, um "dano colateral", por comungar de certos vícios de "seriedade" e autoimportância, para não falar de preciosismos de linguagem e traços nacionalistas. O resultado é que, ao se aproximar com olhos clínicos e cínicos dos vícios de seus pares, Borges como que realiza uma (auto)crítica através da criação (nada mais borgeano, aliás), logrando livrar-se de todos eles e limpando o terreno para a emergência do Borges ao mesmo tempo preciso e complexo que se tornaria um dos maiores criadores da modernidade. Os contos de B. Domecq, sendo contos, contêm naturalmente narrativas, com a peculiaridade de que tais narrativas põem em ação e em perspectiva, tornando sujeitos, os mesmos personagens, ideias e circunstâncias que nas crônicas são alvo de comentários, ou seja, são seus objetos. E se o mesmo olhar ferozmente satírico também comparece, a mudança de linguagem permite um adensamento dos temas, dos personagens, das circunstâncias e do cenário cultural e político. Isso fica fortemente patente no principal conto da coletânea, "A festa do monstro", verdadeira análise via narrativa dos mecanismos impessoalizantes da turba, da massa, assim como da necessidade de apelo à violência para mobilizar as massas fascistas ou parafascistas, caso particular de Perón (o "monstro" do título), cujo conteúdo específico não dispensa o antissemitismo e a mais crua vulgaridade. Bustos Domecq revela-se, afinal, a assinatura de uma parte específica da obra de Borges e Casares, na qual os dois grandes escritores abordam as questões mais imediatas do tempo de forma mais imediata, acrescentando uma faceta de claro realismo (e dura sátira) ao prisma multiforme de sua obra.