Raras vezes um erudito consegue manter o frescor de alma e a simplicidade capazes de comungar e se identificar com as coisas humildes da vida. Augusto Meyer, ensaísta e biógrafo, erudito à moda europeia, profundo, mas de estilo lépido e solto, soube não só resguardar a sensibilidade como preservar uma certa inocência edênica, o mais forte sinal de identificação do homem com a terra, os hábitos e costumes populares, as danças, os bichos, as árvores. Lírica, um tanto irônica, sem perder a ternura, a poesia inicial de Augusto Meyer se identifica com a terra gaúcha, com seu "cheiro bom de estábulos e de pastos maduros", a partir do riquíssimo vocabulário regional. Natural de Porto Alegre, Augusto Meyer (1902-1970) não era um homem estritamente urbano. Gostava da vida rural, das imensidões sem fim dos pampas, em cujas paisagens se inspirou em seu primeiro livro de poemas, Coração Verde (1926).Em Giraluz, publicado dois anos depois, o poeta se inclina pela poesia mais intimista, se desliga do mundo rural, se deixa perturbar pelo seu autodesconhecimento ("Quem é esse que mergulhou no lago liso do espelho/ e me encara de frente à claridade crua?") e um certo narcisismo, expresso em versos como este: "na vidraça garoenta deste bar/ namoro o meu reflexo vago e esguio". A autoanálise se torna mais aguda em Poemas de Bilu (1929), o "filóis" (filósofo) Bilu, alter ego do poeta, ironizado em todo o decorrer do livro ("Bilu, cidadão da harmonia cósmica,/ você deixe de bancar o Baudelaire"). Ausentando-se da poesia durante muitos anos (ou apenas deixando de publicar o que escrevia), o poeta retorna em plena maturidade, na década de 1950, com uma poesia grave, mas serena, com uma certa melancolia de crepúsculo: "Serena esta luz de ouro em meu outono:/ recordação, antes do grande sono..."