Muitas vezes, ao escrever, a minha própria experiência me assaltava, irrompendo na fala das minhas personagens, dublando sua voz. Desse modo, senti a dor de Emanuel, a ira de Ismael; prendi-me nas torres de Clara e sonhei os desejos de Clay. Ouvi os tambores que clamavam Jinga e tremi na angústia de seu corpo paralisado. Vivi a travessia do navio negreiro e aterrorizei-me com a passagem sepulcral, amaldiçoando os grilhões que nos aviltam. Cantei os spirituals e os blues, diverti-me com a farsa dos menestréis e delirei no jogo carnavalizado das aparências. Celebrei, com emoção, os congadeiros. Revi, ali, minha experiência vivida nesse lugar de desvios e superposições, em que, desde criança, senti a cena da minha alteridade negra ser festejada com fulgor, suturando, sem dor, minha cendida humanidade Leda Maria Martins