Os brasileiros podem não acreditar, mas fila existe em qualquer lugar do mundo e se forma pelos mais diversos motivos: para pagar compras no supermercado ou contas no caixa do banco, aguardar a entrada para um show ou peça de teatro... Entrar na fila, em muitos países, significa esperar pacientemente a sua vez, sendo a única forma de hierarquização a ordem de chegada, não importa de que classe social, idade ou gênero você seja. Ficar atrás de um desconhecido, e ter outro logo atrás de você, dá um caráter de igualdade e, por isso mesmo, pode ser considerado um instrumento democrático. No entanto, no Brasil, por que a fila é tão mal vista? Fila e democracia é um ensaio a quatro mãos. O livro nasceu da dissertação do Mestre em Ciências Sociais da PUC-Rio Alberto Junqueira, sob orientação do antropólogo Roberto DaMatta. Ele começou a pesquisar a fila como uma instituição retratada como um ritual ou prática coercitiva e obrigatória. Mas, com a evolução do trabalho, a discussão evoluiu para a fila como uma instituição essencial para construção de um espaço público igualitário e democrático. A fila seria uma prova da igualdade como um valor. Se eleições livres e competitivas são um dos marcos da vida democrática, entramos numa fila para votar. Realmente, nada mais trivial nos estados nacionais democráticos do que o ato de ficar atrás de um desconhecido e na frente de outro para pacientemente esperar com a intenção de realizar alguma tarefa. Junqueira e DaMatta vão além: o conceito da fila garante inclusive a saudável rotatividade e alternância de poder: partidos políticos e grandes empresas que competem por consumidores no mercado entram em filas para governar e realizar seus negócios e para operar seus esquemas de corrupção. Segundo a dupla, a democracia liberal é, na forma e no fundo, um regime baseado no direito e no respeito à fila, e, sem ela, não haveria o esperado rodízio que renova energias e pontos de vista além de permitir a correção de erros e enganos de produtos, partidos e, quem sabe, de políticos. O movimento impessoal e automático de último a primeiro, quando chega a nossa vez, caracteriza-se como uma miniatura perfeita da movimentação positiva bem como dos dilemas do individualismo igualitário, cerne das cosmologias democráticas liberais e do capitalismo, em contraste com os sistemas predominantemente aristocráticos e hierarquizados. É justamente essa ideia que explica a resistência dos brasileiros em respeitar seu lugar na fila, e tentar burlar sua ordem, seja comprando um lugar nela ou a furando, numa clara demonstração de poder e sagacidade. No Brasil, a fila reforça valores hierárquicos da lógica aristocrática, rompendo justamente com o valor de igualdade: miticamente, o rei e a nobreza foram os primeiro a chegar, são considerados os conquistadores-fundadores da nação e vieram do céu (ou do estrangeiro, lá fora), onde residiam com os deuses ou os mais adiantados. São os primeiros da fila, seguindo daí até a plebe e os discriminados, considerados sempre os últimos. As pessoas não estão acostumadas a se igualar aos outros. Como transformar a fila num ritual de igualdade em uma sociedade tão desigual?, analisam os autores.Ensaio a quatro mãos nascido da dissertação do Mestre em Ciências Sociais da PUC-Rio Alberto Junqueira, sob orientação do antropólogo Roberto DaMatta, Fila e democracia se debruça sobre uma questão do cotidiano para refletir sobre temas como igualdade e democracia. Analisando o comportamento do brasileiro nos momentos de desconforto e tensão proporcionados pelas filas - desde a fila do caixa no supermercado ou nas repartições públicas até aquelas destinadas ao lazer, como filas de cinema ou eventos culturais e esportivos - e as práticas adotadas para "burlar" sua ordem, normalmente tidas como demonstração de poder e sagacidade, DaMatta e Junqueira oferecem um perspectiva mais abrangente sobre o caráter desigual da nossa sociedade, em comparação a países como os Estados Unidos.