Embora, durante séculos apenas a maternidade tenha sido o lugar de "existencia" para as mulheres, contudo não foram elas que "falaram" sobre acontecimento tão importante de suas vidas. Trazer a voz das mães ao campo da pesquisa e torná-la uma voz autorizada, uma voz científica foi o objectivo principal deste trabalho. Acrescentar o olhar de mulheres (mães e não mães) aos significados da maternidade veiculados pelas práticas discursivas, das grandes famílias de enunciados, e pelos quadros de referência cultural, das informantes, configura o núcleo que permitiu pensar, criticamente, sobre os poderes que moldam os discursos com que as mulheres explicaram, organizaram e deram sentido à maternidade, enquanto acontecimento de vida. Identificar as acções discursivas e posições das mulheres, nos discursos, constitui subsídio importante que ajuda à compreensão das relações de poder que informam a Maternidade e pode sugerir a tomada de posições alternativas mais favoráveis às mulheres. Partindo de pressupostos de epistemologia feminista pós-moderna que enfatiza a linguagem como instrumento mediador e regulador da subjectividade, pretendeu-se analisar os processos que transformaram a maternidade num acontecimento com signi-ficado político, social e psicológico, num lugar de sujeição para as mulheres, durante séculos. Para prosseguir essa pretensão tomou-se como objecto de estudo a via da descontrução das dimensões ideológicas que atravessam o constructo, utilizando a análise do discurso que opõe ao silêncio do laboratório o ruído dos contextos. Em complemento analisam-se as representações da maternidade no modelo cultural de informantes de duas faixas etárias. Discutem-se as questões principais que conduziram à emergência do paradigma pós-moderno e problematiza-se o conhecimento individualista tradicional em Psicologia; sublinham-se os contributos do construcionismo social como tendência teórica que mais convém ao exame das ideologias que atravessam os sistemas de enunciados. As principais tendências da psicologia discursiva foram abordadas e depois de esboçado o enquadramento teórico que sustenta a pesquisa empírica, inicia-se a discussão das questões que na epistemologia da maternidade são consideradas mais relevantes. Abordam-se as fontes históricas cujos discursos contribuíram para estruturar a invisibilidade das mulheres e dedica-se especial atenção à discussão da controvérsia do pretenso instinto maternal. Aprofundam-se os significados contemporâneos da maternidade, examinando-se, fundamentalmente, as linhas discursivas que mais contribuem para a culpabilização das mães, aquelas que concorrem para fazer crer às mulheres quão boas ou más mães são. A investigação realizada, identificou formações discursivas que trabalham em concorrência nos discursos, as que representam a norma e as que lhe resistem, rompendo com o discurso dominante. Os resultados de tipo inferencial obtidos no estudo das representações remetem para a existência persistente dos estereótipos dominantes no constructo em estudo. Trazer a voz das mulheres à pesquisa permite explorar outros lugares, os da subjectividade contingente numa exigência nova capaz de aduzir entendimentos novos, produzir novos questionamentos numa perspectiva divergente. LURDES DOS ANJOS FIDALGO é licenciada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde também apresentou dissertação de mestrado. Doutorou-se em Ciências Biomédicas no ICBAS da Universidade do Porto e é docente convidada na Faculdade de Letras desta Universidade. Tem desenvolvido actividades de investigação nos domínios da educação e psicologia discursiva (análise do discurso).