Raros são os escritores que, paralelamente ao romance que estão escrevendo, têm um diário de seu trabalho e o publicam em vida. É o caso de André Gide com seu célebre romance da adolescência perversa, Os moedeiros falsos. O Diário dos Moedeiros falsos, jamais publicado no Brasil, é um longo diálogo de Gide com seus personagens, simultâneo ao processo de criação do romance. É assim que ele aos poucos vai engendrando a atmosfera caótica onde se dá a maturação de seus personagens: Olivier Molinier, Bernard Profitendieu... A figura de Lafcadio, protagonista de Os porões do Vaticano, também aparece aqui com muita força. O manancial diabólico das personagens é o mesmo. Um dos que suscitam mais reflexões de Gide é Édouard, o personagem escritor que também projeta escrever um romance chamado Os moedeiros falsos. A semelhança entre o diário de Édouard e muitos trechos do Diário de Gide insinua quem saberá? uma das pontas do novelo estilístico gideano, a mise en abyme, o livro dentro do livro dentro do livro... A relação de Gide com os personagens chega a ultrapassar o âmbito do romance propriamente dito. Este Diário, cuja publicação acompanha o aguardado retorno de Os moedeiros falsos às estantes brasileiras, é também seu caderno de estudos. Permite que se conheça melhor o mecanismo criativo, a inteligência crítica, a ironia do grande romancista. Notícias de jornais que inspiraram o enredo, alguma correspondência de Gide à época do lançamento dos Moedeiros, páginas do Diário de Lafcadio e uma belíssima reflexão sobre o elemento diabólico integram o apêndice que completa a obra.