Apesar do título, uma imagem de disrupção que na realidade é um disfarce, a melancolia, que é um estado ou um sentimento, vista a partir da anatomia, que é um fato físico-biológico, Anatomia da melancolia se apresenta, outro disfarce, como o que ultimamente esteve em alta na literatura argentina, o romance chamado histórico. Disfarce porque não é romance histórico embora faça referência, tomando uma distância poética, a certos acontecimentos ou fatos, de passados míticos. E não o é, tampouco, porque desafia a credibilidade e remete a uma zona de linguagem selvagem que não é um tumulto desenfreado de palavras e sim uma sábia administração verbal, uma espécie de barroquismo não barroco, no sentido escolar da palavra, talvez próprio das fantásticas e aterrorizantes noites nórdicas, como que recuperando, com palavras, o mundo tenebroso e maravilhado dos Bosch ou dos Brueghel. O efeito é deslumbrante: parece convocar a certo anacronismo, mas na realidade atua uma contemporaneidade que corta a respiração, é um desafio ao comodismo, um convite a retornar à literatura para daí voltar para a inteligência e a sensibilidade. Um livro como este, desafiante, deliberadamente, do usual da narrativa, devolve confiança a leitores desesperançados, mas que, contra toda tirania de descuidados lugares-comuns, continuam acreditando numa literatura que significa alguma coisa para uma cultura que se continua buscando.