A história cultural se impôs. Nos congressos e seminários, na universidade e fora dela, a produção acadêmica ganha as livrarias e se difunde entre os leitores de um público cada vez mais vasto. Como explicar todo esse interesse e demanda? Ocorre que cada geração reescreve a história, de acordo com as preocupações, as perguntas e as dúvidas de seu tempo. E, de fato, a história cultural entrou no novo século e milênio numa relação de sintonia fina com as questões de nossa contemporaneidade. Se a história é uma narrativa que explica o mundo e reconfigura o passado para os leitores do presente, a história cultural busca ver como os homens desse passado foram capazes de representar a si próprios e a realidade a partir de códigos, normas de valor, sensibilidades e razões distintas das nossas, e que, por isso mesmo, é necessário descobrir. Enquanto aventura do conhecimento que mergulha no passado, a história cultural tenta chegar lá, decifrando as distintas linguagens pelas quais o homem se apropriava do mundo. Sabemos do potencial mágico da palavra e da sua força em atribuir sentido às coisas. O discurso cria a realidade e faz ver o social a partir da linguagem que o designa e o qualifica. Discursos ou linguagens podem ser vários, guardando distintos níveis de aproximação com o real: as narrativas histórica e literária trocam sinais entre si, a poética e a musical se aproximam e se distanciam, em diversos níveis, de outros discursos de apreensão da realidade, como os ditos propriamente científicos, vizinhos, por exemplo, das ciências naturais. Do mundo da linguagem escrita à falada, as linguagens dos homens do passado se oferecem aos historiadores do presente, que devem enfrentar o gap da temporalidade. Mas também as práticas corporais, os gestos, as práticas sociais, os ritos e encenações são linguagens, tais como as imagens que ficaram por legado. Gráficas, pictóricas, fílmicas, fotográficas, são todas imagens que se oferecem à leitura, como narrativas que designam e qualificam o real. Da mesma forma, os objetos, o espaço construído, o mundo das coisas materiais contam histórias, que precisam ser decifradas. E desse mosaico de linguagens do passado que este livro trata, apoiando-se nos pressupostos da história e a renovando com as preocupações do presente.