Contrabando de Cinzas é uma das maiores surpresas, desde há muitos anos, da poesia africana e mesmo de toda a língua portuguesa, numa sustentação de recorte simultaneamente clássico e moderno. A poesia de José Luiz Tavares impõe-se ao nosso intelecto e aos nossos sentidos como a descarga de uma energia poderosa, uma força avassaladora que faz oscilar o nosso quadro de referências e produz uma dúvida lancinante sobre o que está em causa. Se não fossem algumas coordenadas adquiridas, poderia até perguntar um leitor qualificado, mas distraído: que poeta português é este de que nunca ouvi falar? Ou, de outra maneira, que poeta cabo-verdiano é este em que Cabo Verde cabe inteiro na sua poesia, mas ele talvez não caiba na história da literatura do seu país? Ou, ainda de outro modo, que poeta é este que tem toda a potencialidade da língua portuguesa para se expandir e é ele que, escolhendo a expressão, expande as tensões da língua até ela fazer sangue e rasgar a carne de quem lê?