Não apenas a vida pelo avesso, mas também o avesso do livro, da literatura, do humor, do amor. O leitor não precisa ser judeu para gostar de Philip Roth - seu judaísmo é a caricatura da condição humana, para usar a expressão do falecido Bernard Malamud, inspirador e amigo. Com O avesso da vida, espera-se (se Roth não produzir outra das suas geniais surpresas) a conclusão de um originalíssimo ciclo de obras aparentemente autobiográficas mas, na realidade, um jogo de faz-de-conta. De certa forma, tudo começou com o sucesso de O complexo de Portnoy, do qual resultou a trilogia, espécie de bildungsroman sobre a formação de um escritor. Ele é Nathan Zuckerman, que escreve devastadora sátira sobre o judaísmo que lhe granjeia fama, fortuna, ressentimento do pai - que morre de desgosto -, impotência sexual e a crise da meia-idade. The Ghost Writer, Zuckerman Unbound, The Anatomy Lesson (e um epílogo, The Prague Orgy) narram as patéticas desventuras de Zuckerman, que Roth, há quase dez anos e com rara habilidade, nos persuadira ser ele próprio. Porque, sendo invenções, continham a possibilidade de serem rigorosamente reais. "Escrevo sobre o que poderia ter acontecido [...] Somos todos autores dos outros [...]" Este O avesso da vida desfaz a montagem, a começar pela dedicatória ao pai de Roth, vivo, ao contrário do de Zuckerman. Um desvendamento da ficção, uma exposição quase despudorada da própria intimidade, uma revisão da arte de contar como poucos escritores o fizeram na história da literatura mundial, uma indagação amarga e cômica sobre a experiência judaica depois do Holocausto, reportagem sobre si mesmo e o mundo. Um projeto complexíssimo, trabalhado com virtuosismo e gargalhadas. Penosa brincadeira levada a sério - não muito diferente do que faz Woddy Allen no cinema e com quem tem sido constantemente comparado.