Excelente crítico e ensaísta, poeta razoável, Sérgio Milliet exerceu a crônica de maneira quase alternativa, em textos esparsos nos dez volumes de seu Diário Crítico e, de maneira mais explícita, emDe Ontem, de Hoje, de Sempre e em De Cães, de Gatos, de Gente. Não se trata de crônicas puras, ajustadas ao molde usual, mas de reminiscências pessoais, às vezes em tom de memórias, leves alfinetadas nos contemporâneos, discussões sobre autores e livros, reflexões sobre a vida, com alguma coisa do espírito e do ceticismo de Montaigne. Isso no que se refere aos trabalhos extraídos do Diário Crítico. A propósito, no prefácio às Melhores Crônicas, Regina Salgado Campos justifica a inclusão de tais trabalhos, parodiando uma observação clássica de Mário de Andrade. O autor de Macunaíma dizia que conto é tudo aquilo que o autor chama de conto. Ora, nada mais natural que o mesmo ocorra com a crônica.Nos textos retirados dos outros dois volumes há uma aproximação maior com o conceito de crônica, sobretudo as que figuram em De Cães, de Gatos, de Gente, nas quais Milliet se revela um animalista apaixonado, grande e carinhoso conhecedor da alma animal. A pequena crônica sobre as suas atividades como pintor, sob os olhos de seu cachorro, Barbet, faz as delícias de todo apaixonado por bichos e tem anotações deliciosas, de um observador atento dos amigos de quatro patas: "Barbet não gosta muito quando pinto cachorros. Rosna e por vezes late". Ao que o cronista reflete que ele talvez mudasse de atitude, se fossem cadelas. Muito respeitado em sua época, crítico e pensador, escrevendo com elegância e impressionando "pela capacidade de dizer o essencial de forma simples" (Antonio Candido), Sérgio Milliet continua atual, provocativo e muito agradável de se ler. O que mais desejar?