A obra 'O Evangelho Segundo Talião' pode ser retratada como um agudo diagnóstico social: trata-se de uma compilação de estórias e histórias que caminham entre os escombros de uma sociedade doente que padece por conta da proximidade cotidiana entre infração e norma, loucura e sanidade. Para narrar os momentos em que a vingança, o ódio e o ímpeto por redenção se fundem para guiar o curso das ações, Flávio Ricardo Vassoler escreve sobre situações e ideias supostamente esparsas e desconexas, em uma mescla de realidade e ficção que procura levar às últimas consequências as crises das personagens. Talião vai se metamorfoseando entre as mais variadas personagens. Desde o filho que vê o pai definhar por conta de uma doença terminal que lhe murcha o corpo, mas que lhe deixa intacta a consciência - como se, até o último momento, o marujo tivesse que assistir ao próprio naufrágio -, até o assassino convicto que afirma matar para conferir um sentido vingativo às vidas esvaziadas dos parentes das vítimas, todas as histórias têm um duto subterrâneo comum: a pregação do evangelho taliônico. Ao assentar as estórias sobre a vingança, o ódio e as tensas (im)possibilidades de perdão, o autor aproxima personagens conhecidas pela ambivalência de suas atitudes, tais como Judas Iscariotes e Capitu [protagonista do livro "Dom Casmurro", de Machado de Assis], de histórias contemporâneas eleitas pela mídia como paradigmas de tensão - e audiência. Tais situações mostram que os preceitos bíblicos que estipulam "a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra" não apenas deixam de ser seguidos, como se transformam, muitas vezes, em refinado sadomasoquismo: a felicidade pelo perdão se confunde com o prazer diante da dor que o outro nos impinge quando oferecemos a outra face.