Livro enfrenta um dos principais temas da vida política brasileira - a constituição da esfera pública - analisando o pensamento daqueles que procuraram interpretar nosso país. O livro. Resultado de sua tese de doutoramento defendida no Departamento de Ciências Políticas da USP, este livro de Adrián Gurza Lavalle cativa o leitor pela importância do tema, pela originalidade com que é desenvolvido e pela fluidez do texto. Lavalle encara um desafio que poucos teriam coragem de enfrentar: revisitar criticamente as principais obras da produção intelectual brasileira. Desde o século XIX até os dias de hoje diversos autores têm se preocupado em interpretar o Brasil de modo a explicar o que nos diferencia e o que nos assemelha aos outros povos e nações. Entre os vários temas destas interpretações, um aparece com notável freqüência: a dificuldade de constituição do espaço público, considerada como um dos mais graves problemas nacionais. Esfera pública essa permanentemente tolhida pelas imposições dos interesses privados que dela se apropriam. Não é de se estranhar que em um país como o Brasil as dificuldades de separar o público do privado tenha sido objeto de preocupação constante de seus intérpretes. Este é o tema do livro de Lavalle, cuja originalidade está em formular uma leitura crítica e sistemática de autores que em obras de gêneros diversos se dedicaram a esmiuçar tópicos recorrentes no pensamento da história do Brasil. No entanto, como afirma Gabriel Cohn no prefácio: "a exposição não se limita a acompanhar tendências e autores passo a passo, enfileirando livros alheios como peças de boliche. Seu procedimento é incomparavelmente mais rico e fascinante". O autor empreende uma análise temática que procura estabelecer a lógica das interpretações que encontram na cultura brasileira a explicação para as dificuldades da separação entre público e privado. Tal a centralidade que o tema da constituição do espaço público assumiu no debate brasileiro que a própria identidade nacional acabou vinculada a esta questão. Os obstáculos para a afirmação da esfera pública foram identificados nos valores morais, padrões de conduta, traços de caráter e tipos sociais característicos da cultura nacional. Um Brasil "real", dominado pela esfera privada, que se oporia ao Brasil "legal", lugar do espaço público, em uma dualidade em que as próprias idéias e discursos sobre a esfera pública adquiriam certo ar de artificialidade. O núcleo do estudo de Gurza se concentra nos autores que na década de 1930 estabeleceram os parâmetros deste debate. Não apenas as obras clássicas de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Jr., mas também os trabalhos de escritores que nem sempre foram objeto de merecida atenção, como Nestor Duarte e Fernando Azevedo, entre outros. Ao mesmo tempo, analisando os escritos de José Bonifácio, Carl Friedrich Philipp von Martius e Joaquim Nabuco, o autor se debruça sobre aqueles que, ao procurarem compreender o Brasil no século XIX, forneceram as bases sobre as quais se construiria, de maneira crítica, o pensamento da década de 1930. Para, no final, se deter nas obras dos autores que, ao escreverem a partir de meados do século XX, tiveram seus trabalhos profundamente influenciados pelo debate dos anos 30, como Roberto da Matta. A leitura crítica se estabelece na medida que Lavalle aponta para o fato de que, entre as várias condições para o estabelecimento do espaço público, o pensamento social brasileiro considerou apenas uma: a vida pública, entendida como fenômeno social, sem considerar, por outro lado, que a constituição do espaço público depende também do perfil histórico-político do Estado, de modo que este ofereça os instrumentos institucionais para a comunicação entre vida pública e vida política.