A meio caminho entre os contos e outra coisa qualquer, Não conto é um conjunto de histórias mais ou menos bizarras, mais ou menos insólitas, cujo maior (único?) denominador comum é o assombro da existência. No centro destas narrativas encontramos seres que, a dada altura das suas vidas, são confrontados com ocorrências que, ora absurdas ora simplesmente parvas, fazem ruir o edifício das convenções laborio-samente construídas durante anos. Se em ?Viver para matá-la? uma dona de casa feliz se atreve pela primeira vez a pensar no sentido da vida, espoletando com esse acto consequências desastrosas, na curta história ?Naufragar é preciso? acompanhamos os últimos instantes de um náufrago, apostado em manter a inexistente dignidade até ao fim. Do drama de um revisor de comboios que, à força de observar milhares de passageiros diários, se esquece dos contornos do próprio rosto, às memórias do célebre ditador A. H. narradas pelo seu bigode de estimação, ?Não-conto? é uma jornada sem retorno assegurado pelos meandros imprevisíveis mas sempre fascinantes da psique humana. Ociosas, instáveis ou megalómanas, às personagens aqui reunidas não falta nenhum dos pecados capitais, com excepção do maior de todos: a normalidade.