A situação brasileira apresenta uma delicadeza particular quando se pensa na cultura emergencial, característica essa, comum aos países em processo de (re)democratização, onde os valores que lhes são próprios mal são estabelecidos no pacto de civilidade e acabam por ser desmoralizados na prática dos operadores do direito - e na prática social, de forma geral - que desta forma conferem uma vivência apenas formal aos cânones culturais da normalidade. Com efeito, rasgada a Constituição para o combate à criminalidade, o que se tem é a continuidade do discurso do pânico, mesmo com todo o arsenal anticonstitucional colocado à disposição para o seu combate. Assim, mais medidas são exigidas ante a fragilidade das anteriormente tomadas, e a retórica da intransigência aparece aqui sob o manto do "algo precisa ser feito". No entanto, raras vezes é exercitada a reflexão sobre o caminho correto, buscando responder a pergunta de ser a deturpação dos postulados do estado de direito legitimamente sacrificáveis em nome dessa "luta". Para sociedades em desenvolvimento, em processo de construção democrática ou superação de estruturas autoritárias, tal imposição é desastrosa desde um ponto de vista cultural. A grande "mentira" dos jogos está em vender a idéia que somente com estas medidas se garante a vida em paz.