Thiago Mota nos oferece um excelente livro sobre a expansão portuguesa na África Ocidental, em especial sobre a região entre os rios Senegal e Gâmbia, conhecida como Senegâmbia, a partir do século XV. Mas este é apenas o tema, porque o objeto da obra é mais complexo. Trata-se, antes de tudo, de um inventário crítico das imagens e juízos construídos pelos portugueses sobre os muçulmanos da região, baseado em diversas fontes, mormente as crônicas e alguma iconografia dos séculos XVI e XVII. Esta questão central conduz o autor para o exame da intrincada rede de relações envolvendo as diversas alteridades em contato e confronto. Relações entre africanos muçulmanos e aqueles apegados às religiões ancestrais, que os portugueses chamavam de pagãs ou idólatras. A propósito desta relação, Thiago recompõe o processo tortuoso de islamização do norte do Magreb e sua irradiação para a África ocidental. Do lado português, analisa as nuanças entre cristãos-velhos e cristãos-novos, entre laicos e religiosos que marcaram presença na Senegâmbia. Embora debruçado sobre as representações discursivas e, em menor escala, imagéticas, o autor não perde de vista os processos sociais envolvidos na trama. Em particular, esmiúça a tessitura do tráfico, quer o praticado no próprio continente, quer o tráfico atlântico e, no limite, as interseções entre ambos. O livro contribui bastante para se compreender as particularidades da região neste tempo de encontros e desencontros, longe de chavões vazios, como os que vitimizam a mãe África com base em juízos de valor.