O casamento de Apuleio com Pudentila representou um novo paradigma de relações matrimoniais na cidade de Oea, rompendo uma aliança ancestral entre duas das mais ricas famílias locais. Parte da elite oeaense se opôs a Apuleio, disseminando boatos que o estigmatizavam como magus e extrarius. Frente a tal cenário, Apuleio foi julgado por crimen magiae na basílica de Sabrata, cidade vizinha de Oea. A despeito do perigo de poder ser punido com a pena capital, Apuleio concebia seu julgamento como uma arena pública de absolvição, pois, da basílica de Sabrata, seu discurso de defesa poderia reverberar e influenciar aqueles que o tinham como mago. Para tanto, Apuleio baseou seu discurso numa lógica de construção de identidades, investindo numa retórica de diferenciação. O autor distinguiu-se de seus adversários por intermédio de uma representação excelsa de si, como filósofo platônico, ao mesmo tempo que os representava como ignorantes e incapazes de diferenciar filósofos de magos. Esta estratégia apresentou-se bem-sucedida, como demonstra a posterior distinção pública de Apuleio em Cartago. O estigma e a recuperação da honra de Apuleio evidenciam a forma como as diferentes representações podem ser construídas de acordo com o modo como os vários grupos sociais produzem suas distintas interpretações - muitas vezes concorrentes - do mundo. As problemáticas aqui analisadas esclarecem os múltiplos processos pelos quais as identidades são diferentemente definidas.