A análise das Convenções Coletivas de trabalho da indústria nos ramos da metalurgia, da construção civil, mobiliário e gráfico nos anos de 1980 a 1994 é o objetivo central deste estudo. A opção por estes ramos industriais decorre da convicção de que são os trabalhadores das indústrias os que estão mais propensos à influência do proselitismo das lideranças sindicais. Tal propensão decorre de fatores objetivos, da forma em que se dão as relações entre capital e trabalho no universo fabril, além da relativa concentração da mão de obra e a sua tendência de uniformidade nas expectativas em relação ao mundo da fábrica e a sua inserção na sociedade. Entende-se como normal que os trabalhadores tenham a esperança de conseguir maiores salários e melhores condições de trabalho, enquanto o empresário visa, com prioridade, o lucro e a acumulação de riqueza, em termos de ampliação do seu negócio e de padrão de vida. O processo de negociação coletiva de trabalho, que deverá resultar na Convenção Coletiva de Trabalho, ou no Dissídio Coletivo de Trabalho, caso fracassem os esforços das partes em negociação, é visto como um conflito de interesse normal em uma sociedade capitalista. Se a contratação coletiva de trabalho passa por um processo mais cooperativo ou pela política do enfrentamento, esta questão não foi priorizada neste estudo. Sabe-se pela experiência histórica que não existe entre trabalhadores e empregadores a valorização da cooperação, com o objetivo de obter vantagens para as duas partes envolvidas no processo de trabalho e produção. Ao contrário, os atores na negociação preferem a tática de enfrentamento. Fugir da regra do atrito é receber o pior xingamento que um dirigente sindical pode receber: pelego! Assim, o empresário, que não abre mão de nenhuma de suas prerrogativas de patrão, espera sempre que o sindicato seja adversário, nunca parceiro. Nem mesmo os pelegos ousam defender outra forma de relação entre capital e trabalho que não seja a de conflito, a de enfrentamento. Ainda que seja este enfrentamento apenas simbólico, na medida em que se resume aos discursos em caminhão de som nas portas das fábricas ou na distribuição de volantes e panfletos, normalmente injuriosos aos empregadores e, preferencialmente, ao governo. Desta forma, a cultura tanto do empresário quanto do trabalhador é a do conflito, do enfrentamento, do tratamento adversário. Cabe, então, uma questão realmente importante: passada a agitação do caminhão de som, da pressão de fora da fábrica, da passeata, do enfrentamento com a polícia, de que realmente dispõe o trabalhador para pressionar o empregador? Em primeiro lugar, o sindicato no Brasil ainda é atrelado ao Estado, mesmo depois da promulgação da Constituição de 1988, que derrogou alguns dos preceitos corporativos do sindicalismo e das relações entre capital e trabalho no Brasil. Para grande parte dos dirigentes, porém, o sindicato é ainda uma espécie repartição pública, que deve prestar serviços típicos de governo, como saúde, lazer, educação, entre outros, e ser órgão de cooperação com as autoridades governamentais. Se tal concepção ainda permanece na mentalidade da maior parte da direção sindical, em todo o seu espectro, a ação dos sindicatos no local de trabalho não faz parte dos objetivos dos dirigentes sindicais, em que pese ser obstaculizada pelo empregador, além de carecer de garantia legal. Assim é o sindicato no Brasil: próximo do governo, da repartição burocrática do Estado: os Ministérios do Trabalho, da Previdência, da Saúde, da Justiça do Trabalho, dos Conselhos governamentais, mas distante do chão da fábrica e dos trabalhadores. Em segundo lugar, a falta de inserção junto às chamadas bases dotam o sindicato de uma fragilidade inimaginável para conduzir uma negociação coletiva de trabalho. Assim, o sindicato tende a acompanhar a legislação salarial em vigor e conformar-se com os direitos trabalhistas garantidos legalmente: na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e no restante da legislação complementar. Quando há algum tipo de impasse, as partes envolvidas se socorrem na Justiça do Trabalho para que ela homologue ou arbitre a contratação coletiva de trabalho. Neste estudo, optou-se por deixar de fora os dissídios coletivos de trabalho, restringindo-se às Convenções Coletivas de Trabalho. Em terceiro lugar, são necessárias duas circunstâncias favoráveis para que o sindicato possa exercer o seu poderio ao máximo: liberdade democrática e crescimento econômico e do emprego. Na conjuntura dos anos aqui analisados, 1980 a 1994, há a progressiva saída do regime autoritário para uma democracia liberal, enquanto a economia, em termos gerais, teve um fraco desempenho, o que levou à precarização de relação de emprego. É um período em que os sindicatos são desafiados pela democracia, não podiam debitar a sua inércia no autoritarismo, mas eles têm no desempenho da economia um adversário importante a obstaculizar a sua ação. Em quarto lugar, o sindicalismo corporativo passa a ser contestado em sua legitimidade, sendo o fato mais evidente disso a consolidação de duas Centrais Sindicais nacionais: a Força Sindical e a Central Única dos Trabalhadores. Dessa forma, a estrutura vertical, o Sindicato, a Federação e a Confederação, passou a sofrer a competição das organizações paralelas, as centrais sindicais. As centrais sindicais, mais afinadas no discurso e com respostas modernas aos problemas do movimento sindical, sejam políticos ou econômicos, ofuscaram o papel das Federações e Confederações de estrutura legal do corporativismo. Assim, o debate do Contrato Coletivo de Trabalho em oposição à flexibilização da legislação trabalhista e à estrutura trabalhista corporativa foi um campo de luta política e ideológica que deu grande visibilidade às centrais sindicais e levou a estrutura corporativa ao ostracismo. No entanto, ainda é fortíssima a estrutura legal e a cultura ideológica do corporativismo. Por isso, a luta contra o corporativismo continua presente e precisa de uma Reforma Constitucional para ser legalmente enterrada, já que é apenas um cadáver insepulto, em termos políticos e ideológicos. Compreendida esta realidade da estrutura sindical brasileira, a crítica ao sindicalismo só pode ser feita a partir da sua ação concreta. Como instrumento dessa crítica optou-se por uma única fonte de pesquisa, a Convenção Coletiva de Trabalho. Para isso buscou-se confrontar as cláusulas dos convênios coletivos de trabalho uns em relação aos outros no transcorrer dos anos. A hipótese inicial era que, a partir da vigência da Constituição de 1988, os sindicatos fossem tendo mais autonomia do Estado e tornando-se mais dinâmicos e representativos dos interesses dos trabalhadores. Tal expectativa não se confirmou, porque a derrogação pela metade do corporativismo preservou a parte mais perversa do modelo de sindicalismo histórico no Brasil: a intervenção do Estado na vida do Sindicato. A conquista da liberdade sindical acabou por ser apenas uma maneira de fracionar os sindicatos, seja pela divisão das categorias profissionais, seja pela base territorial. Além disso, a manutenção da unicidade sindical - a unidade imposta por lei - não facilitou a mudança de lideranças sindicais ou o surgimento de competição entre sindicatos pela representação dos trabalhadores no processo de negociação do contrato de trabalho. Assim, dois temas que estiveram em debate acirrado nos anos de 1990, o Contrato Coletivo de Trabalho ou a "flexibilização" da legislação do trabalho em oposição ao modelo corporativo, não tiveram consequências práticas na negociação coletiva de trabalho. É um debate feito pelas cúpulas sindicais e pelos partidos políticos, mas que ainda não atinge a vida concreta do trabalhador. O Sindicato, portanto, revela-se inadequado para dar as respostas aos problemas efetivos colocados nos últimos 14 anos. Mantém-se na sua posição tradicional, ainda que se possa verificar um aumento do número de cláusulas pactuadas e certos avanços em termos de direitos adicionais à lei. Por fim, o estudo revela que o sistema de negociação coletiva no Brasil está obsoleto e, para corresponder às necessidades do futuro imediato, precisa ser modificado em sua estrutura. É preciso destruir todos os instrumentos do corporativismo ainda existente na relação entre capital e trabalho no Brasil.