O tempo das pestes não é histórico, ainda que as pestes, sejam quais forem seus agentes, ocupem os dias e as noites. O tempo das pestes não é ordenamento linear de coisas, mas atravessamento de durações povoado de visões, vivências, desejo, melancolia, sonhos, rastros. É um tempo literário, constituição de símbolos e signi¬ cados variados, em que intervêm London, Keroauc, Fitzgerald, o jazz de Mulligan e Piazzolla, o rock de Springsteen e Santana, o samba de Ismael Silva. É a evocação de uma paisagem visitada por um maçarico, uma praia sobrevoada por uma gaivota, uma janela aberta para o quintal onde um pica-pau bica um tronco de árvore, uma cena urbana onde moradores de rua sobrevivem, um vira-lata compondo uma tarde pensativa em uma estação de metrô. Os poemas de Gil Sevalho não nos explicam acontecimentos. Eles apenas acontecem e, mais que tudo, sentem o tempo das pestes. É o alumbramento da poesia, que transforma e desloca a compreenssão dessas pestes plurais que vivemos.