Se dizer ou escrever tudo é impossível, como mostram quer a psicanálise quer a literatura, há algo no entanto que resta do esforço: passagens. O termo é equívoco, múltiplo. Ele assinala a encruzilhada onde confluem, isto é, de onde partem ou onde chegam, as diversas passagens que formam a trama deste livro: passagens literárias, sem dúvida, mas também passagens aéreas, passagens do tempo, inúmeras passagens de um lugar para outro, sobretudo entre Portugal e o Brasil, pois vários textos resultam de comunicações apresentados neste último país, graças ao privilégio que me foi concedido de participar, ao longo de vários anos, das Jornadas de Direito e Psicanálise, promovidas pelo Núcleo de Direito e Psicanálise (NDP), na Universidade Federal do Paraná. Este livro é, assim, um cruzamento de passagens diversas. Mas o título nasceu de uma pergunta bem concreta: Já tem as passagens? Não, nessa altura ainda não tinha as passagens. Ei-las, finalmente. Que alguma coisa passe através delas é o desejo que anima este livro. Se bem que diversas, há um fio condutor que as liga: o ensino de Lacan. Foi ele que me orientou na psicanálise que fiz ao longo de vários anos, enquanto analisando, é ele que agora me orienta na minha prática como psicanalista. Mas o psicanalista não existe sempre, não opera sempre. Por vezes, alguma coisa passa. Há passagens.