A insensibilidade e a vacilação moral dos homens que acabavam de acompanhar a devastação da bomba atômica, no desfecho de uma grande guerra, atormentavam Lucia Miguel Pereira. A autora perfila-se, com o autor de O Estrangeiro, como testemunha destes tempos: Um mundo povoado de seres estranhos uns aos outros, de seres trancados, incomunicáveis, é um mundo que não merece sobreviver, é o nosso mundo. A frigidez, a impassibilidade, eis o grande pecado de nossa época, o que dificilmente nos será perdoado. Essa mutilação do homem moderno, ninguém a desvendou como Albert Camus. Certo, é sempre arriscado predizer a duração das obras contemporâneas, mas se, mais tarde, alguém quiser saber como era o homem da era da bomba atômica, bastar-lhe-á ler esse escritor conciso e seco. E terá a visão de indivíduos sem ternura, sem vida interior, sem meios de sair de si, escreveu, na segunda metade dos anos 40.