O imperativo de neutralidade na atuação judicial surge com o Estado moderno. Nasce a figura do juiz neutro, a boca que pronuncia as palavras da lei (Montesquieu), para assegurar essa nova estrutura estatal. Mas, ao lado dessa exigência, ainda presente na atualidade, há uma crise das instituições democráticas. A Lei não é mais tida como paradigma de Justiça. E a própria função judicial tem sua legitimidade questionada. Pensava-se que a neutralidade do julgador garantiria resultados justos. Hoje, vê-se que injustiças são provocadas, justamente, pelo magistrado que apenas aplica a lei e renega seu papel de agente político transformador. A tarefa deste trabalho é contribuir para a desconstrução do imperativo de neutralidade do magistrado, como forma de enfrentamento da crise de legitimidade do Judiciário. Para tanto, fez-se uma leitura a partir da obra de LUIS ALBERTO WARAT, jusfilósofo que detectou a existência de um senso comum teórico dos juristas, que revela a impossibilidade de se produzir um conhecimento jurídico neutro. Assim, a hipótese que se quer discutir e comprovar é que, no processo de tomada da decisão, o juiz não é (e nem pode ser) neutro. Primeiro, porque lida com um saber jurídico acumulado (senso comum teórico) carregado de ideologia; segundo, porque, ao interpretar o Direito, contribui para a dação de seu sentido, construindo o objeto com o qual lida. Na primeira parte deste trabalho, buscou-se responder à indagação: como surge a exigência de neutralidade na prestação jurisdicional? Na segunda parte, tentou-se desconstruir esse dogma a partir do pensamento waratiano, chegando-se à seguinte questão: é possível a neutralidade na prestação jurisdicional se existe, na ciência jurídica, um conglomerado de representações ideológicas camuflado de enunciados científicos, e se o magistrado, ao interpretar a norma, contribui para a dação de seu sentido? Responder tais perguntas é o desafio deste livro, originado da dissertação de mestrado da autora.