Já se disse que a Constituição está para o presente século assim como o código civil esteve para o século XIX e início do século XX. Entretanto, ela continua a ser lida como se estivéssemos nos séculos XIX ou XX. A primeira perversão, nesse vício que pode ser chamado de "interpretação regressiva" e não nos deixa ver as coisas tais como são, é o conceito de Estado. Como entidade autônoma, separada da sociedade autônoma, separada da sociedade, o Estado é persistência do absolutismo, instância de dominação sobre a cidadania. O despontar deste não nos leva de volta para os pródromos da república (as repúblicas grega e romana), para antes da instauração dos impérios modernos, mas sintetiza as mudanças que estão aí, e representa as primícias das muitas que estão por vir. À sua luz sepulta-se a teoria da tripartição dos poderes, revolvem-se as raízes políticas do positivismo jurídico, refazem-se as bases constituições do Direito administração. Este não é um fenômeno isolado da civilização. Quando a distância nos permita a justa perspectiva, aquilo que orgulhosamente chamamos de modernidade talvez seja considerado como os últimos estertores da Idade Média. Não sendo um manual, este livro - convite à reflexão sobre boa parte dos fatos que modelam o nosso dia a dia - quer estar tão à mão como se o fosse.