Vou costurar uma orelha no corpo-livro da Mariana Marino na tentativa de evocar a imagem que eu tenho em mente: seu peito atravessado por uma cicatriz violenta e elegante, que quase alcança o pescoço. Quem agora segura Peito aberto até a garganta vai perceber que os poemas da primeira parte estão povoados por corpos cortados: unhas, pelos, pés, pescoços, mãos, peles, ossos, de gente morta ou viva, desconhecida ou familiar, todas exigindo histórias para si, criadas com uma linguagem certeira e cortante como navalha afiada. Na segunda parte, o corpo jorra manchando os segredos de mulheres de uma mesma família, que sangram com seus úteros e trompas: o sangue das mesmas veias/ a história das mesmas teias. E que sofrem do coração isso não é só uma metáfora. Antes dos poemas, um prelúdio invoca o Senhor em letra maiúscula, tão esmagador quanto o amante de Sêmele. A triste história do triângulo amoroso vivido entre Zeus, Sêmele e a esposa Hera nos remete à leviandade perigosa do deus [...]