Uma obra em que se destacam, nas palavras de Vasco Graça Moura, presidente do júri de atribuição do Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís, «as qualidades de escrita reportadas à dureza de um universo infantil numa aldeia de Trás-os-Montes e à maneira como o estilo narrativo encontra uma sugestiva economia na expressão e comportamentos das personagens». Em Trás-os-Montes encontramos quatro crianças com nomes próprios, que vivem ao centro de uma aldeia com duas igrejas, dois cemitérios, duas estações ferroviárias e um comboio a vapor que faz a sua derradeira viagem. É o dia mais longo do ano e para lá da aldeia existem quatro capelas que marcam a diferença entre as montanhas e os ribeiros desordenados e a comunidade rural estruturada em famílias e horários bem definidos. Nessa zona de fronteira situam-se as hortas, as devesas, os lameiros e os palheiros onde o gado passa a noite. Mas este é também o território dos pastores e das suas famílias, que percorrem a região com os seus hábitos, os seus cães e o seu comércio. Quando as crianças têm demasiado tempo livre depois das aulas, ficam na rua até ao anoitecer, as sombras ocupam-lhes os pensamentos, e as distracções dos adultos tomam a forma de desejos perigosos. A infância é uma imitação, de profissões, de viagens, de conflitos, de vícios e de raparigas ao espelho. Mas quando uma criança ultrapassa a imitação e pretende consumar um acto de adulto, como conduzir um automóvel, fumar um cigarro, aceder à literatura para adultos, atear um incêndio ou realizar um funeral, então podemos estar a ultrapassar os limites da pequena violência e chegar àquilo a que se pode chamar um crime.