Partindo da conhecida advertência de Foucault de que “a lei não é feita para impedir este ou aquele tipo de comportamento, mas para diferenciar as maneiras de tornear a própria lei”, a autora se põe o desafio de pensar as trajetórias de algumas dessas tecnologias num país em que o jogo de cabra-cega entre o legal e o ilegal, o drible sistemático da norma e o código do sertão são traços constitutivos da sociabilidade – o que faz toda a diferença. Assim sendo, se é certo que é de gestão diferencial de ilegalismos que se trata – com a apresentação rigorosa dos principais contornos dessa equívoca categoria analítica – a autora faz ver como as formas que essa gestão assume e os modos como ela se relaciona com a produção da delinquência correm por trilhos específicos no Brasil. Afinal de contas, não parece nada trivial a) que o principal instrumento dessa gestão, durante quase 200 anos, tenham sido as “prisões correcionais” – e suas figuras, como as “prisões para averiguação” b) que o termo “correção” tenha adquirido um sentido retórico próprio e negativo entre nós em plena voga internacional do correcionalismo, sobretudo a partir dos anos 30, permitindo adensar e muito a noção de disciplina; c) e, por último, que a inexatidão do fluxo crime-prisão-inquérito-processo-pena indique a existência de uma espécie de fast-track no circuito nacional da produção da delinquência. Um dos pontos altos deste livro parece estar justamente no andamento cruzado da reflexão que busca articular o prolongamento histórico do primado da justiça privada à percepção de que não se trata da “simples permanência de estruturas arcaicas”, mas, antes, de uma autêntica “reinvenção”. Laurindo Dias Minhoto Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo