Em O Irã Sob o Chador, Adriana Carranca e Marcia Camargos revelam o caldeirão de contradições de uma nação enigmática, onde a cordialidade do povo resiste como valor num cotidiano de escassas liberdades individuais. Chador é um tipo de manto iraniano, usado para cobrir o corpo feminino da cabeça aos pés. Só o rosto fica à mostra. Parecido com o hábito das freiras católicas, o traje é obrigatório em mesquitas e outros lugares sagrados, e conta com a preferência das iranianas islâmicas do segmento mais conservador da sociedade. Assim como as formas de suas mulheres, o Irã apresenta-se ao olhar ocidental de maneira enigmática, oculto sob o espesso chador do nosso preconceito e desinformação acerca do Oriente Médio em geral e de cada país da região, em específico. Em viagens realizadas em momentos e circunstâncias diferentes, as jornalistas Adriana Carranca e Marcia Camargos tiveram a oportunidade de conhecer um país que não cabe na simplificação dos estereótipos. Muito longe de encontrar fanáticos religiosos hostis e minas terrestres a cada esquina, as autoras se depararam com cidades extremamente seguras para turistas, nas quais imperam a honestidade, a cordialidade e a gentileza nas relações. Em contrapartida, paira no ar a crescente insatisfação com o regime teocrático há três décadas no poder. Concebido e escrito em parceria, O Irã Sob o Chador (Editora Globo) é o resultado da descoberta comum de uma realidade singular, num dos raros lugares do mundo ainda resistentes aos efeitos da globalização. Um cenário de conflitos permanentes entre arcaico e moderno, religioso e secular, opressivo e libertário – e que tem tais contradições capturadas no Caderno de Fotos, que ilustra o livro. No mesmo país onde mulheres e homens têm de se sentar em partes diferentes do ônibus, por exemplo, circulam táxis nos quais ambos os sexos compartilham o aperto do banco. Alguns desses veículos são, inclusive, dirigidos por mulheres: há até uma cooperativa de taxistas femininas, que tem como clientela tanto as iranianas conservadoras (que não aceitam viajar com homens) como as liberais (que, em companhia feminina, se sentem à vontade para usar roupas um pouco mais ousadas). Outro contraste verificado pelas autoras: o Twitter e o Facebook estão proibidos no país, o que não impede a existência de 1,4 milhão de usuários e 800 mil contas ativas dessas redes sociais, respectivamente mesmo com a internet de banda larga restrita a hotéis e centros de convenção. Na China, onde há restrições semelhantes à comunicação virtual mas a população é vinte vezes maior do que a iraniana, o Twitter tem 409 mil perfis e o Facebook, ínfimas 14 mil contas ativas. Desnudando as camadas do chador que envolve o Irã, Adriana e Marcia revelam uma sociedade pulsante que, à revelia do poder constituído, impulsiona o país. Um lugar que produz uma das mais instigantes cinematografias do mundo, mas que não hesita em usar a censura prévia (ou mesmo a prisão) para intimidar seus cineastas. Uma sociedade de machismo opressivo, no seio da qual emergiu a ativista Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz em 2003. Um caldeirão fervilhante, no qual nacionalismo, juventude e desejo de mudança se mesclam ao deslumbramento com o mundo que está do lado de fora do chador, e que ficou mais próximo com a internet. Jornalista e mestre em políticas sociais, Adriana Carranca mantém um blog na edição online de O Estado de S.Paulo, dedicado a questões de desenvolvimento global e direitos humanos. Ganhadora dos prêmios Jabuti e da Academia Paulista de Letras, Marcia Camargos é biógrafa de Monteiro Lobato e coordena o Centro de Documentação e Memória da Pinacoteca do Estado.