Agora que fiquei velha, bem velha, e estou esperando o grande mistério da vida chamar-me para dançarmos a nossa derradeira canção, e finalmente a minha vida fazer algum sentido, resolvi contar a história de um velho homem, o meu pai, por ser a única das minhas conhecidas que achei que valesse a pena deixar es­crita e registrada, ainda que em muitíssimas poucas linhas. Poderia eu, muito bem, contar-lhes a minha própria, mas, como ainda vivo ou já quase morro envergonhar-me-iam alguns episódios. Então, à falta de outra vida, conto a do meu velho pai. Não que a goste tanto, posto que poderia ter sido vivida melhor, mas me atrai o suficiente para gastar os meus últimos esforços com essas reminiscências. Ao final e ao cabo, hoje, o meu corpo está bem debilitado, pela idade, pelo cansaço e, especialmente, pela melancolia de ter quase chegado ao fim sem que nada tenha feito sentido, ao menos seriamente. Apenas o fim, como dito. Este sim, o fim! É o verdadeiro e único sentido de nossa existência e, sobretudo, de nossos enormes fracassos e de nossas pírricas vitórias. De um certo modo, ou em um certo sentido, a morte dignifica- -nos como alguém que um dia viveu a vida. Sem ela e sem a sua sempre incômoda iminência, nada faria sentido. Rigorosamente nada. Viver a vida é viver a dolorosa espera pela morte. Essa louca e desesperada espera pelo nada. Aquela que, finalmente, irá nos redimir dos erros e nos gratificar pelos eventuais acertos (não de­veria ter escrito isso: meu pai não o teria aprovado, pois diria ele que erros e acertos são coisas muito insignificantes).