Desde pequenos, quando vamos à praia, ouvimos ditos como não vai pro fundo, respeite o mar, aquele que morre afogado é quem sabe nadar... Avisos e mais avisos: o temor ao mar é evidente até nossos dias. Os gregos, dos séculos VIII ao V a.C., também possuíam este temor e, por conseguinte, desenvolveram um imaginário complexo acerca do mar. O mar é o tópos (lugar) de divindades, de seres míticos, do encontro com o outro, da natureza que causa malefícios e benefícios aos homens. Os helenos reconheceram as potencialidades que o mar e a prática da navegação ofereciam. Tanto que, desde a formação das póleis (cidades-Estados) no século VIII a.C., sua tradição está repleta de aventuras e agruras experimentadas pelos navegadores e heróis homéricos e continuados pelos séculos posteriores até Heródoto - primeiro a escrever História - e Plutarco - logógrafo grego do período romano. Navegar era uma prática comum do mundo helênico. Ainda assim, os navegadores dividiam espaço com ameaças constantes, reais e míticas. Podiam ser surpreendidos por uma forte tempestade, com altas ondas que os tiravam do curso ou encontrar as Sereias com seu canto maravilhoso, que contém todos os saberes. Lidar com o imprevisto era fundamental na prática da navegação. Era necessário algo a mais do que os saberes inerentes a função desempenhada, era preciso ardil, astúcia, pensamento e ação rápidos. Era preciso ter aquilo que os gregos chamavam de métis. Nesta obra, a autora Camila Jourdan empreende uma investigação sobre a construção, pelos helenos, das representações sociais sobre o meio marítimo ao longo dos séculos VIII e V a.C. e suas relações com o processo de thalassocracia ateniense (dominação sobre o mar Egeu), nos quais a métis perpassa fortuitamente como um dos fundamentos centrais na arte da navegação. Tecendo suas ideias e argumentações a partir do viés cultural, esta obra tem um grande diferencial do que foi produzido majoritariamente nas pesquisas sobre thalassocracia: a autora nos conduz por ligações e relações não vislumbradas anteriormente, ao apresentar a longa duração e análise de documentação textual e imagética, possibilita compreender o imaginário que permeava os atenienses e serviam como alicerce de seus saberes marítimos no momento de concretização de dominação de parte do mar Mediterrâneo. A pesquisa desenvolvida neste livro é um convite para navegarmos juntos a Odisseu e, usando de métis, ouvir o canto das Sereias. Também nos conduz a um grande conjunto de textos de diversos autores que, paulatinamente, foram fixando seus múltiplos (e ambivalentes!) olhares sobre o meio marítimo, empregando variadas caracterizações. Permite-nos apreciar a produção de cenas em vasos áticos e rigorosamente analisá-los, momento em que percebemos a retomada da temática de Odisseu com as Sereias na virada dos Atenienses para o mar.