O livro Direito Adquirido e Estado Democrático de Direito, da professora Cláudia Toledo, lançado pela editora Landy, enfrenta um dos temas mais polêmicos da ciência do direito. A fim de explicitar seu arcabouço lógico e conceitual, o livro é concebido de forma triádica. No primeiro momento, de que tratam os capítulos I e II, são apresentados os direitos fundamentais e sua situação no Estado Democrático de Direito. No segundo estágio, expresso nos capítulos III e IV, é exposto o conceito de direito adquirido, que ultrapassa a polêmica inicial de sua conceituação como direito protegido por uma ação (Huc), faculdade de exercício do direito (Baudry-Lacantinerie), direito incorporado ao patrimônio (Lassale), fato consumado, para aprofundar a conceituação doutrinária de Gabba e Roubier e então formular a autora seu próprio pensamento, acrescido do estudo comparado do tratamento jurisprudencial dessa questão pelos países da Europa Ocidental que mais influenciaram a formulação do tema no direito no Brasil, quais sejam, França, Itália, Alemanha e Portugal. Finalmente, em seu momento de chegada, exposto no capítulo V, são retomados os conceitos centrais até então desenvolvidos para a explicitação da intangibilidade do princípio do direito adquirido. Os conceitos paulatinamente analisados são, assim, na final do movimento dialético de exposição da tese da intangibilidade desse princípio, reapresentados não de modo somatório, mas suprassumidos na conclusão do processo dialético. Dessa maneira, os direitos fundamentais são revelados no exercício da reta razão (orthós lógos de Aristóteles, recta ratio de Cícero), ou seja, da razão prática voltada para o conhecimento do Bem pelo intelecto, ao qual o sujeito adere por sua livre vontade. O momento de singularidade da universalidade da razão prática é efetivamente o ato moral, isto é, a reflexão judicativa de conformidade do ato à norma objetiva racionalmente elaborada. Esta reflexão é denominada consciência moral, que Cláudia Toledo busca numa das mais vigorosas concepções éticas atuais, a de Henrique de Lima Vaz. Nesta concepção ética, a existência isolada dos indivíduos é mera abstração, pois concretamente se situam na sua vivência em sociedade, pelo que seu mundo normativo é sempre criado a partir de suas relações intersubjetivas. É, assim, no exercício da consciência moral individual no encontro com o outro que se elaboram as normas do agir social, mediante seu reconhecimento e consentimento como um igual em liberdade. As normas então produzidas pela consciência moral intersubjetiva decorrem da inter-relação dos membros da sociedade, que, ao decidir quais normas devem ser dotadas de juridicidade para sua melhor proteção, em virtude da relevância dos valores que consagram, efetivam sua consciência jurídica, revestindo tais normas das quatro categorias próprias do fenômeno jurídico: bilateralidade-atributiva, exigibilidade, irresistibilidade e universalidade formal e material. Após a abordagem dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito, foi elaborada uma cuidadosa pesquisa sobre o conceito de direito adquirido até sua concepção atual, em que se conjuga o princípio do direito adquirido com o princípio do efeito imediato das leis, em cuja harmonização reside a grande dificuldade. A despeito de serem ambos positivados no ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina e a jurisprudência pátrias ainda não alcançaram o devido nível de cientificidade no seu tratamento, de modo que seja inequívoco, objetivo, racionalmente controlável e não pautado em soluções decisionistas emanadas da aleatoriedade da ocorrência de fatos concretos geradores de demandas e questionamentos a respeito. Atinge-se uma explicitação do direito adquirido, concebendo-se esse direito na perspectiva da distinção entre gozo (titularidade) e exercício do direito, o direito adquirido refere-se ao título, pois, uma vez exercido, qualquer interferência do poder público seria esbulho ou confisco. Essa distinção torna prescindível o recurso à denominada regra de competência e regra de conduta, visto que, se a regra de conduta atua no modo de exercício do direito, poderá limitar seu exercício de tal forma que equivaleria a não mais exercer o direito. Direito que se não exerce é direito inexistente. Finalmente, se atinge o ponto decisivo do trabalho, em que as categorias expostas nos dois momentos anteriores são suprassumidas na afirmação da intangibilidade do princípio do direito adquirido, alcançando o trabalho da professora Cláudia Toledo a finalidade paciente do conceito. Especificamente, o princípio do direito adquirido evidencia-se como condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito em decorrência de dois fatores em especial: por ser garantia dos invariantes axiológicos e, por ser viabilizador dos princípios da certeza e da segurança jurídica, ambos integrantes do elenco dos direitos fundamentais. É o princípio do, direito adquirido, afirma a autora, condição de validade desse tipo de Estado, porque configura ideafidade exigida pela soberania popular para a proteção dos invariantes axiológicos expressos nos princípios da certeza e segurança jurídica. Sendo condição de possibilidade e validade do Estado Democrático de Direito, integra o princípio do direito adquirido sua essência e mostra-se como garantia jusfundamental componente do rol de direitos fundamentais, por isso intangíveis.