Coitada, por causa disso terá toda a sua vida devassada. Claro, não fosse assim, não faria sentido o título se referir à "vida íntima" da protagonista. A autora começa apresentando-a como "muito da simples", que vive no quintal de Dona Luísa. Casada com o galo Luís, Laura tem uma grande qualidade: bota mais ovos em todo o galinheiro! Mas, em compensação, tem vários "defeitos". O pescoço, por exemplo, é o mais feio do mundo. A galinha é buuuuuuurra, tão burra que a autora chega a dar graças a Deus que ela não fala para não despejar obviedades por aí. Nossa personagem tem um grande medo: virar almoço. Mas, se esse destino for irreversível, que seja comida pelo craque Pelé. A composição da "personalidade" da galinha e a "exposição" de sua vida são formas inteligentes de abordar assuntos interessantes para as crianças. Por exemplo: Laura morre de medo de morrer, mas, de alguma forma, ela entende que isso faz parte da vida e chega ao luxo de escolher uma maneira "elegante" de virar galinha ao molho pardo. Embora seja a figura central da história, ela não é uma heroína. Clarice a apresenta como uma personagem sem méritos especiais. Pelo contrário, diz que a galinha é sem graça, apressada e absolutamente comum. Mas tem uma aptidão especial, a de botar ovos. Para a criança, pode ficar uma lição preciosa: a de que é possível sobressair à custa de algum talento, qualquer um, e não pela beleza ou riqueza. Clarice ainda dá uns pequenos toques em seus jovens leitores. Lembra que viver apressadinho é uma grande bobagem e, após contar que no galinheiro tinha uma única galinha diferente das demais, ela arremata: "Ninguém despreza a carijó por ser de outra raça. Elas até parecem saber que para Deus não existem essas bobagens de raça melhor ou pior." A vida íntima de Laura é um livro infantil inteligente e gostoso de ser lido.