Vaga em campo de rejeito, de Maria Helena Bernardes, é o segundo volume da série Documento Areal. O livro inclui relato, documentos e fotografias que a artista reuniu sobre trabalho realizado por ela no município de Arroio dos Ratos. O livro traz também um ensaio intitulado Campo de rejeito, de André Severo, parceiro de Maria Helena Bernardes no Projeto Areal. Segundo a artista, o termo vaga define espaços urbanos característicos pela falta de ocupação ou função objetivas e que surgem, portanto, desprovidos de sentido aos olhos das pessoas que circulam em seu entorno. A identificação de uma vaga é um trabalho de ação e reação em contexto urbano que se completa nos diálogos com os passantes que se aproximam, curiosos sobre a movimentação da artista em torno de um espaço quase imperceptível. O trabalho reportado no livro relata a procura da artista por uma vaga em Arroio dos Ratos, pequeno município situado na região carvoeira do Rio Grande do Sul. Após localizar esta vaga, a artista planejava sua reprodução sobre um campo também vago, um espaço maior, vazio e igualmente sem função no presente. Como resultado dessa busca, a artista se deparou com uma pequena vaga triangular designada 'A Sobra' pelos vizinhos, localizada entre dois prédios centrais da cidade. A seguir, encontrou um grande terreno vago na periferia da cidade, um antigo depósito de refugo de carvão, chamado 'campo de rejeito' pelos moradores. A partir da identificação destes dois espaços, iniciou-se um trabalho de reprodução da vaga sobre o campo de rejeito, processo desenvolvido em várias etapas e que teve seu rumo definido pela participação de proprietários, passantes, pescadores, trabalhadores do campo, funcionários e vizinhos. O trabalho culminou com a entrada da prefeitura no projeto, ao ceder uma equipe de obras que finalizou a construção da vaga em concreto, oferecendo-a como atrativo da Festa da Melancia, realizada em janeiro de 2002. Trecho do relato Vaga em campo de rejeito: A hipótese da vaga perfeita apareceu de súbito, alguns dias mais tarde, ao olhar distraída para o entorno da estação rodoviária. O espaço em questão era tão inegavelmente uma vaga que mesmo eu não a tinha percebido antes, plantada junto ao ponto de embarque dos ônibus. Estava ali muito claramente, tendo a rodoviária à direita e a câmara de vereadores à esquerda, dois prédios dispostos em ângulo tão peculiar, um em relação ao outro, que não se poderia definir o espaço entre eles como pátio, depósito ou qualquer outra coisa. Quem poderia planejar tal disposição sem prever uma vaga por conseqüência? A origem das vagas é um mistério. O que move um grupo aleatoriamente formado por passantes, colegiais, ex-mineiros, administradores, comerciantes, operários e uma artista a concentrar-se sobre a existência de uma vaga, ou seja, um intervalo sem função, um nada em meio à cidade, engajando-se na peculiar missão de reconstruí-lo sobre outro espaço, igualmente inerte? Vaga em campo de rejeito traz a experiência compartilhada por Maria Helena Bernardes e um grupo de moradores de Arroio dos Ratos, no Rio Grande do Sul, que viveram em conjunto o processo de identificar uma vaga e reproduzi-la na área de um antigo depósito de rejeito de carvão, materializando, aí, o desejo da artista de ver, finalmente, um vazio construído sobre outro.