O livro de haicais, de Mario Quintana, reúne todos os poemas do escritor gaúcho que ele intitulou diretamente como haicais e ainda os que, sem terem sido por ele assim nomeados, são, em tudo e por tudo, haicais de Quintana. Selecionados e organizados por Ronald Polito, e ilustrado pelo traço inspirado de Roberto Negreiros, o volume conta com posfácio envolvente e esclarecedor de Paulo Franchetti, reconhecido especialista no assunto. Seu aspecto gráfico merece comentário à parte, pois fazendo jus aos pequenos grandes poemas, todo o livro foi pensado para lhes dar moldura e apresentação à altura: da escolha de uma tipologia especial ao formato e à diagramação (a cargo de Vanessa Sawada), que dispõe cada haicai em uma página, acompanhado, na página oposta, por sua ilustração sem moldura, fazendo com que se una visualmente ao texto do poema pelo mesmo fundo branco, de modo que o volume resulta num conjunto de elegantes páginas duplas de formato horizontal. A expressão haicais de Mario Quintana significa mais do que à primeira vista. Pois ao frequentar a conhecida forma poética de origem japonesa, delicada estrutura de três versos dedicada, originalmente, a registrar um pequeno momento especial em meio a um cenário natural, Quintana encontra um caminho para concentrar todo o seu vasto e muito particular universo poético de modo sintético e luminoso. Os poemas deste livro são, em suma, pequenos cristais da poesia de Quintana. Se por um lado ele mantém o essencial da forma japonesa, não somente a estrutura de três versos, mas também seu poder de síntese iluminadora, por outro a toma para si, fazendo-a falar com sua voz e com sua visão de mundo, feita de uma muito particular e delicada esperteza sutil. O resultado não poderia ser mais sedutor. Pois Quintana pode parecer leve, quase ingênuo, mas por trás das aparências, é muito diferente. Como um Chaplin dos versos, trata a dureza das coisas com uma ironia que se reveste de extrema suavidade (A morte é a libertação total: / A morte é quando a gente pode, afinal, / Estar deitado de sapatos...). E a suavidade é já uma resposta irônica, logo, lúcida, de Quintana à própria dureza das coisas, portanto há de ser tudo, menos ingênua. Na verdade, muitas vezes se aproxima de certa (saborosa) filosofia existencial, à maneira de algum filósofo antigo, em que pesem a dicção coloquial e a ironia muito moderna (Deus tirou o mundo do nada. / Não havia nada mesmo... / Nem Deus.). Quintana, enfim, domina magistralmente a sutil arte de dizer muito com pouco. Como escreveu a poeta e haicaísta Alice Ruiz em um haicai em homenagem ao próprio, Quando leio Quintana / minha alma assobia / e chupa cana. Seus muitos leitores, encantados, agradecem.