Vivemos a "morte de Deus", constatada por Nietzsche há mais de um século, ou, ao contrário, o retorno do religioso? A questão não cessa de se colocar. Por um lado, as Igrejas e os dogmas enfraquecem em proveito de crenças mais pessoais, "à la carte", dizem alguns. Por outro, os integrismos e outros fundamentalismos de todo gênero nunca se comportaram tão bem. Como se situar entre tendências tão contraditórias? Em Depois da religião, um debate inédito em livro, os filósofos Luc Ferry - autor dos essenciais O homem-Deus e O que é uma vida bem-sucedida?, - e Marcel Gauchet esclarecem nossa perplexidade e seu desacordo por meio de uma discussão densa, sem polêmica nem concessões. Para Luc Ferry, a época contemporânea caracteriza-se pelo cruzamento de dois processos: por um lado, o que ele chama de "humanização do divino", ou seja, o fato de que toda história cultural moderna consiste na tradução dos conteúdos teóricos e práticos da religião na linguagem do humanismo, ou, dito de outra forma, com o indivíduo posto como valor cardinal. Por outro lado, a "divinização do humano", isto é, o fato de que no âmago desse individualismo autônomo - condição do homem moderno - reemerge a transcendência não mais vertical (entre os homens e o além), mas horizontal (entre os próprios homens). É esse duplo processo que faria do humanismo contemporâneo um humanismo do homem-Deus. Marcel Gauchet, por sua vez, persiste na idéia de que vivemos a época de uma separação entre o homem e Deus que não cessa de se ampliar. É esta separação que teria atingido atualmente sua amplitude máxima, de tal forma que o humanismo contemporâneo, que deveria ser pensado ou inventado em nossos dias, não seria aquele do homem-Deus, mas, ao contrário, aquele do homem sem Deus e do homem definitiva e irrevogavelmente sem Deus.