"A cidade murada e protegida por alarmes eletrônicos, a cidade globalizada, trancada em seus imóveis inteligentes, a arrogância da riqueza encarnada no biquíni à venda nos Jardins que custa o mesmo que uma moradia numa favela do subúrbio. Cada habitante sabe disso e vive com aquilo que está ao seu alcance." Assim começa a apresentação de Saídas de emergência, livro organizado por Robert Cabanes, Isabel Georges, Cibele S. Rizek e Vera da Silva Telles, que tem como foco as relações entre os habitantes da maior cidade brasileira. Os textos de diversos autores que compõem a coletânea - resultado de longas pesquisas publicadas originalmente na França, em 2009, e agora em português pela Boitempo Editorial - revelam as faces da moeda chamada São Paulo: sexo, drogas e rock 'n' roll, emprego, desemprego, violência pública e violência privada. "Os relatos evidenciam as esperanças e as decepções cotidianas, sem ignorar as grandes transformações políticas, econômicas e sociais dos últimos vinte anos", afirma Michel Pialoux, autor da orelha do livro. O professor Francisco de Oliveira, autor do prefácio, imaginou para a obra uma forma ao estilo de Kafka: "O que os artigos desse livro indispensável nos descrevem são pessoas transformadas em insetos na ordem capitalista da metrópole paulistana". No entanto, o caminho escolhido pelos autores dos textos para apresentar as experiências urbanas em prosa foi outro: "são gramscianos", diz Oliveira, "na medida em que exploram todas as posições, todos os ângulos, todas as expressões e modos de ganhar a vida - na verdade, de ganhar a morte - dos moradores de Cidade Tiradentes, com algumas incursões em Guaianases e outras periferias da cidade". Fruto do longo trabalho coletivo de uma equipe composta por pesquisadores mais experientes ao lado de outros mais jovens, de origens e gerações diferentes, os 21 artigos se referem a diferentes "saídas de emergência" e a uma multiplicidade de ângulos de abordagem. "Trata-se da maneira como aqueles que estão submetidos às relações de dominação na cidade tentam superá-las, às vezes procurando construí-las em escala maior que a de seu meio social, por percursos que passam por formas de trabalho e atividade, religião, vida em comum e recomposições familiares", explicam os organizadores do livro. As estratégias de vida, observadas nas pessoas e nas famílias, representam modos tanto de fugir da responsabilidade direta do trabalho quanto de ressignificá-lo por meios indiretos. O tráfico, por exemplo, é referência econômica (garante a sobrevivência de muitas pessoas), social (ajuda pessoas ou associações) e moral (impregna a vida cotidiana com seus modos de pensar e agir). Frente à complexa realidade urbana, os pesquisadores não fantasiam a honra e o caráter de suas "personagens"; nenhum afirma que o Jardim Maravilha é uma maravilha. "A consciência crítica atenta não resvala em glorificação da pobreza e de sua situação na cidade capital do gigante emergente", reconhece Oliveira. "A fronteira entre o legal e o ilegal, o lícito e o ilícito, o formal e o informal, não é erguida por eles: é a fantasia jurídica do capitalismo 'globalitário'."