Como compreender a célebre tradição de hipnotizadores e magnetizadores que deram origem às reflexões sobre uma psicologia científica? Como compreender uma técnica tão antiga quanto a humanidade que efetuou e ainda efetua curas que parecem desafiar os conhecimentos disponíveis? Como explicar a hipnose que parece a cada passo romper com as concepções e procedimentos legitimados pelo saber oficial? Todas essas perguntas ainda permanecem em aberto. Entretanto, em nome do projeto moderno de ciência, as versões dominantes da história da psicologia procuram conferir um teor pejorativo à hipnose, considerando-a como um sistema suspeito e infundado que deveria ser lançado para sempre ao esquecimento. Segundo essas versões, os antigos hipnotizadores, quando não completamente excluídos, são concebidos como figuras místicas ou ingênuas, que não possuíram impacto em suas épocas e cujos trabalhos não merecem maiores atenções dos psicólogos atuais. Afirmam ainda que o motivo de semelhante desinteresse se deu pela inconsistência de suas propostas diante dos rigorosos métodos da ciência de maneira que seus sistemas infundados e frágeis acabaram cedendo lugar às psicologias enfim científicas que habitam os espaços sociais da atualidade. No entanto, por meio de um olhar mais acurado sobre os acontecimentos históricos é possível lançar vários questionamentos sobre semelhantes idéias. Isto porque os antigos hipnotizadores eram donos de reflexos complexas e refinadas, organizavam-se institucionalmente, possuíam discípulos e jornais de publicação e buscavam, acima de tudo, a legitimação das instituições oficiais da ciência. Mais que isso é possível conceber que a profunda rejeição conferida à hipnose não foi exatamente movida por inconsistências metodológicas, mas por motivos institucionais, sociais e, principalmente, por uma batalha de racionalidades sobre o que deveria ser considerado ciência.