A Arbitragem, como meio voluntário de resolução de litígios privados, baseada em parâmetros e valores não muito diferentes dos que conhecemos hoje, tem muitos séculos de história. É mais antiga do que a justiça administrada por tribunais judiciais dotados com a forma jurisdicional e os procedimentos que hoje os caracterizam. Este fato justifica, só por si, amplamente, a conclusão de que a Arbitragem e o Direito Arbitral devem ser considerados autonomamente dos tribunais judiciais e do processo civil. Trata-se de realidades diferentes que obedecem a diferentes princípios e métodos. A importância da Arbitragem tem sofrido variações ao longo dos muitos séculos da sua história, desde a Grécia antiga. Ora foi utilizada como principal meio de resolução de litígios, ora foi relegada para um plano de menor significado. Fruto das necessidades próprias do comércio, sobretudo do comércio internacional, readquiriu, porém, principalmente após a Segunda Grande Guerra, uma posição importante, igualmente na resolução de litígios do comércio interno. A globalização, no campo da arbitragem internacional, por um lado, e a necessidade de descomprimir a atividade dos tribunais no plano interno, por outro lado, perspectivam à arbitragem uma importância no futuro que jamais conheceu na sua longa história. As sociedades atuais são caracterizadas por um muito maior acesso das pessoas a um vasto número de bens do que se conhecia no passado. A atividade econômica tornou-se mais complexa e sofisticada nas suas múltiplas formas. A consequência imediata de tudo isto mostrou a incapacidade da justiça organizada e administrada pelo Estado para acompanhar as necessidades sociais de resolução dos litígios emergentes. O recurso à Arbitragem e, mais recentemente, à Mediação, por parte dos poderes políticos, demonstra constituir hoje uma espécie de procura urgente de um recurso de salvação por parte dos governos, introduzindo na Arbitragem matérias conflituais tão díspares, a par do contencioso comercial, como são os contenciosos administrativo e fiscal, os efeitos cíveis do processo criminal, o contencioso do consumidor, o pequeno contencioso especializado do sector automóvel, dos seguros, etc., etc.. Este fenômeno não significa que as novas matérias não sejam bem-vindas à Arbitragem. Requerem, porém, que se criem novas condições para que a Arbitragem possa dar resposta às necessidades que se postulam. Sem dúvida que a publicação, em Portugal, de uma nova lei de arbitragem voluntária constituiria um aspecto de grande importância. Também a criação de um movimento de divulgação da Arbitragem, a par da formação de uma vasta comunidade familiarizada com ela, incluindo os magistrados judiciais, é da maior importância. Torna-se, pois, necessário criar todas as condições para que a Arbitragem seja vista pelo comum das pessoas como urna forma credível e vantajosa de resolução de litígios e não como um modo elitista e, por isso, restritivo da resolução de litígios. Esta obra pretende dar uma visão global, tão prática quanto possível, da Arbitragem. Tratá-la desde as ideias básicas até aos vários campos especializados da sua utilização, tanto no domínio doméstico corno internacional, passando entretanto pelo estudo, tão aprofundado quanto possível, das instituições nucleares da Arbitragem, isto é, a convenção de arbitragem, o tribunal arbitral (no qual avulta o estatuto do árbitro) e o processo arbitral. Uma atenção especial é dada às particularidades da Arbitragem Internacional. Neste conjunto vasto de matérias tratadas de forma global e sistematizada, cremos que é obra única em Portugal. Existem, sem dúvida, boas monografias sobre temas de Arbitragem, uma ou outra obra com certa amplitude. A preocupação constante que nos dominou consistiu, pois, em procurar suscitar as múltiplas questões que são próprias da instituição arbitral e dar-lhes uma resposta prática. Sem dúvida que algumas das matérias tratadas são complexas, mas o resultado final no seu estudo visou sempre obter respostas e soluções que interessem, no momento próprio, a quem tenha de resolver um litígio em arbitragem ou a quem tenha de pleitear uma causa num tribunal arbitral ou a quem tenha de julgar, em sede judicial, um recurso ou uma ação de anulação de uma sentença arbitral. Não se trata, obviamente, de fazer a apologia da Arbitragem. Trata-se apenas de a estudar como ela é e como tem sido entendida em comunidades jurídicas estrangeiras que a têm utilizado frequentemente. O estudo da Arbitragem em Portugal requer, necessariamente, a análise da concepção que os tribunais judiciais têm dela. Os pontos de contato entre as duas jurisdições são frequentes e necessários. A conclusão que se pode tirar revela uma significativa e muito saudável compreensão correcta do que é a Arbitragem, onde avultam alguns acórdãos notáveis dos nossos tribunais superiores, a par, porém, de algumas decisões minoritárias em que isso não se verifica, quando não mesmo, raramente embora, se evidencia uma certa hostilidade e desconfiança. Isto verifica-se, sobretudo, em áreas geográficas nacionais em que a Arbitragem é raramente utilizada. Também a aplicação do Código do Processo Civil ao processo arbitral se revela tão estranha quanto incompreensível. A Arbitragem e o processo arbitral não têm a ver com o regime jurídico-positivo do Código do Processo Civil, que não lhes é aplicável, a não ser quando as partes voluntariamente para ele remetam ou consintam que os árbitros assim procedam ou, ainda, muito limitadamente, quando as leis de arbitragem assim expressamente determinam, como é, excepcionalmente, o caso dos artigos 10.º e 16.° da Lei de Arbitragem Voluntária. No caso do artigo 16.º, aliás, este preceito apenas faz apelo a princípios tratados pelo processo civil, mas não manda aplicar o Código do Processo Civil. Também a matéria do artigo 27.º, número 1, alínea e), apresenta alguma similitude com matéria idêntica tratada pelo Código de Processo Civil. Mas, são praticamente apenas estes os pontos de contacto entre o processo arbitral e o processo civil. Esta conclusão não significa que não possam ser utilizados no processo arbitral certos conceitos trabalhados no processo civil, como é o caso da excepção, da reconvenção, da legitimidade, da litispendência, etc.. Mas isso não significa a aplicação no processo arbitral dos seus regimes jurídicos estabelecidos no Código do Processo Civil. A sábia aplicação, ou não, dos regimes jurídicos de certos institutos do processo civil está à disposição do árbitro, não com carácter de obrigatoriedade, mas sim como fonte de inspiração e de saber, atendendo à cultura jurídica dos árbitros que eles poderão utilizar corno meio de melhor ordenação do processo arbitral. A Arbitragem não pretende disputar aos tribunais judiciais qualquer primazia, nem significa ingerência no poder judicial. A Arbitragem é apenas o resultado da liberdade contratual. A decisão de as partes de um litígio preferirem, ao celebrar uma convenção de arbitragem, a sua resolução por árbitros constitui uma decisão tão legítima como a decisão de celebrar licitamente qualquer outro contrato. E as leis arbitrais reconhecem-lhe eficácia jurídica. Isto não significa retirar importância e dignidade ao poder judicial, do mesmo modo que deve ser reconhecida aos árbitros a dignidade própria do exercício de uma função jurisdicional semelhante, na sua finalidade, à dos juízes. Não há que ver nisto uma diminuição da dignidade dos magistrados judiciais. Trata-se apenas de colocar a Arbitragem no lugar que lhe compete e de dignificar o exercício da função arbitral, designadamente através do fortalecimento da arbitragem institucionalizada, que permitirá aos centros de arbitragem, além das partes, o controle das qualidades dos árbitros por eles designados. Aspecto este que é, aliás, essencial ao sucesso da Arbitragem. É despiciendo salientar, a finalizar, a importância da Arbitragem no futuro que já antes esboçámos, quer no domínio internacional, quer no domínio interno. A sua importância e frequência de utilização serão crescentemente aumentadas. Impõe-se o seu estudo e divulgação. É o que esta obra modestamente pretende fazer.