Um livro de psicanálise é a tentativa impossível de fazer com que se juntem as questões deixadas por nossos pacientes, às quais não podíamos, não devíamos ou não sabíamos - naquele momento - responder, e o sulco deixado em nós por nossa própria leitura dos textos fundadores. Este livro, que reúne trabalhos escritos durante uns dez anos, encontra seu ponto de origem na primeira parte, na qual estão reunidos os ensaios clínicos de um trabalho levado a cabo por vinte anos com crianças autistas. Estar ali, no momento mesmo em que chegava à posição ereta, à motricidade, à representação e, em muitos casos, à fala, desencadeou uma busca que não cessa de prosseguir. Assim, pareceu-nos necessário reintroduzir com força a importância decisiva do desejo do pai na constituição não só da feminidade, mas também daquilo que na mulher preside às modalidades pelas quais ela se torna mãe. Foi nesse trabalho com mães de filhos autistas ou com pacientes em analise que tinham um filho autista que fomos levados a postular a existência de uma "função materna", residindo numa aposta inconsciente, função que, às vezes, pode falar. Como escrever enquanto analista é tarefa tão enigmática quanto o desenrolar de uma análise - sabemos como começamos, ignoramos tudo o que vem depois -, o leitor não encontrará aqui tantos desenvolvimentos sobre o que permanece árduo no texto dos fundadores da psicanálise, quanto a descrição das trilhas percorridas com nossos pacientes e através de nossas leituras, caminhos de florestas, até mesmo de crista, para a abordagem dos quais dispomos, é claro, de instrumentos de localização no espaço mas que, embora bem sofisticados, não lhes poupam de ter de traçá-los..."